Chá ou Café?

Chá. Chá preto, chá verde, chá mate, chá de lírio, chá de cogumelo.... para reunir os amigos, para conversar, para viajar... Histórias mais filosóficas, mais sensoriais, mais espirituais, mais... ........................................... Café. Café curto, café longo, café com um pouquinho de leite. Pra acordar, pra deixar ligado, pra tomar rapidinho no balcão. Histórias do dia a dia, teorias de 2 segundos, pirações mais terrenas...

terça-feira, agosto 29, 2006

E eu atravesso a rua para chegar do outro lado – uma história de chá, involuntário

Sabe aquele tipo de reação que é tão automática que você nem sente mais que reagiu? Quase como um reflexo. Mas um ato reflexo que é só seu, personalizado. Todo mundo tira a mão de algo muito quente ou muito frio por reflexo, mas tem certas atitudes que a gente cria e que acabam virando nossas reações com assinatura, atos ou pensamentos bem característicos, como esses ratinhos de laboratório que acabam desenvolvendo comportamentos específicos para cada tipo de desafio que alguém os impõe.

Bem, outro dia, eu reparei em um desses atos reflexos que é só meu, ou até agora eu achava que era só meu. Coisa de gente estranha mesmo. Toda vez que eu atravesso a rua, quando meu pé encosta na calçada, não consigo evitar de me sentir salva (pisai na calçada e sentir-se-á salva, irmã!). É sério. É como se fosse um jogo. Tem um carro vindo da esquerda, outro da direita. Eu tenho que passar de um lado seguro até o outro, cruzando o campo de guerra, o ambiente desconhecido e ameaçador. Para isso, me são oferecidos poucos segundos. E nesses poucos segundos, preciso calcular a velocidade com que devo impor meus passos, para não colidir com os corpos que se aproximam simultaneamente a certa velocidade estável ou variável. Todos aqueles conceitos de física que a gente sempre aplica quase que por instinto e nunca percebe, ou percebe e finge que não, só para ter uma desculpa para ir mal na prova... física é para louco mesmo.

Bom, então eu estou lá, de um lado da rua, precisando chegar ao aposto. Calculo a velocidade da aceleração, olho para um lado e para o outro pela última vez. Visualizo o alvo, o outro lado da rua, respiro fundo e dou a largada. As vezes, tenho até que dar um daqueles pulinhos estúpidos para adquirir impulso e terminar a prova em menos tempo, afinal, os carros continuam vindo na minha direção. Mantendo o ritmo e a mira fixa no meu objetivo, enfrento o território inimigo até chegar em terras seguras novamente. Nesse instante, assim que todo meu corpo está finalmente a salvo na outra calçada, eu sinto como que um alívio, algo como a satisfação de uma meta cumprida, sem contar que eu venci o inimigo que vinha a toda velocidade ao meu encalço. É uma sensação que dura milionésimos de segundo, mas que não consigo evitar de sentir. Na maioria das vezes, é tão involuntário, que eu nem reparo. Mas outro dia ficou tão evidente, que eu resolvi escrever sobre o assunto, porque não sei se é tão normal assim.

É como passar de fase num vídeo game, ou ganhar uma extra vida. Aquela sensação de alívio que fica ainda mais evidente quando eu ouço o barulho do carro passando atrás de mim logo em seguida à pisada na calcada. Algo como: “Hehehe, viu só? Eu ganhei! Cheguei até a zona de segurança antes de você me alcançar, eu sou muito melhor!” Sei que é estúpido, que não faz sentido algum e é difícil de acreditar, mas eu não consigo não fazer isso. Tudo dura tão pouco tempo que, na maioria das vezes, quando estou pensando em algo mais importante, nem reparo na ocorrência do ciclo. Mas certas vezes, quando não estou pensando em nada e isso é raro, me dou conta desse ato estúpido, mas sempre ajo como se isso fosse a coisa mais normal do mundo. Até que outro dia, achei que podia não ser tão natural assim.

Não que eu tenha algum medo ou trauma de atravessar a rua. Nunca nada de realmente ruim me aconteceu. Não tenho uma crise de pânico toda vez que tenho que trocar de lado e ando muito a pé para ficar criando caso com esse tipo de coisa. O problema é que sabe lá porque e sabe lá de onde eu desenvolvi esse mecanismo e por mais inútil que seja, por menos sentido que faça, não me atrapalha em nada, muito pelo contrario, até me diverte. Porque se a minha mente estranha foi capaz de criar esse ato resposta tão bizarro para o movimento de atravessar a rua, que outras coisas ela já não inventou ou seria capaz de inventar e que fazem tão parte de mim que eu nem percebo?

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial