Chá ou Café?

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quarta-feira, agosto 30, 2006

A Síndrome do Eu Prometo – uma história de chá, eu prometo

Eu prometo. Todo mundo já ouviu ou proferiu essas duas palavrinhas seguidas de alguma boa mentira. “Eu prometo parar de fumar, eu prometo começar a dieta na segunda, eu prometo que não vou me atrasar, eu prometo que vou mudar, eu prometo que nunca mais vou beber” e por aí vai. É incrível o poder de atração que esses dois vocábulos exercem sobre a mentira. Deve ser algum fenômeno astrofísico, metafísico, não sei. Algum cientista deveria realmente estudar o fato. Realizar alguns experimentos, isolar algumas cobaias em laboratório e submetê-las a inúmeros testes, até chegar a alguma conclusão, ou conclusão alguma, o que viesse primeiro.

Obviamente, o uso de ratos ou macacos ou coelhos como cobaias seria inútil. Primeiro porque os pobres bichinhos não falam (o que em muitas sociedades pode até ser uma vantagem) e segundo porque acho que a mentira não faz parte do instinto natural desses animais. Nunca me lembro de ter visto um cachorro ou um gato ou uma galinha mentir. É claro que não colocarei minha mão no fogo por nenhum deles, mas até agora, nenhum me prometeu nada que não tivesse cumprido (principalmente pelo fato de que eles não prometem nada, de modo algum).

A mentira deve ser um daqueles acessórios que vêm de fábrica no ser humano. O bebê nasce e bum! Em poucos dias já é exposto a toda sorte de mentiras. “Ai que bebezinho lindo você tem”, mesmo que o pobre ainda se pareça com um joelho vermelho, careca, sem dente e com os olhos fechados. “Prometo que eu nunca vou te abandonar” até o dia em que a criança é esquecida na saída da escola. “Você vai ser famoso, meu filho”, e o cidadão passa a vida toda achando que é um artista, quando não tem talento algum.

Não faço a menor idéia de que altura da vida a criança começa a criar suas próprias mentiras. É claro que, durante suas brincadeiras, ela cria amigos de mentira, comidas de mentira, ambientes de mentira e outras tantas mais. Mas isso não é a mesma coisa que dizer algo para alguém que não seja verdade, ou pior, prometer algo que já sabe que não vai cumprir.

Admito que a mentira tem um papel fundamental no desenvolvimento da sociedade. Mas sendo esse um assunto muito polêmico, delicado e longo, deixo ele de lado para posterior divagação. No momento, me interessa a Síndrome Do Eu Prometo, aquela cujo indivíduo contaminado sai por aí prometendo um monte de coisas sem cumprir nenhuma delas e pior, sabendo que não as vai cumprir. Na realidade, ainda não sei qual é a manifestação mais perigosa. Se aquela onde o afetado promete algo achando realmente que pode cumprir, quando na realidade não pode, ou então aquele que promete apenas por prometer, quase que como um vício, uma incapacidade de se manter calado, quando no fundo, sabe que nunca cumprirá com o prometido.

Em época de eleição, o vírus se espalha com uma velocidade impressionante (ativistas adeptos do uso de armas químicas deveriam realmente estudar o sistema de propagação dessa doença). De uma hora para a outra, temos centenas de candidatos prometendo as coisas mais absurdas, além de umas certas possíveis também, a tudo e a todos. “Prometo acabar com a fome, prometo bater o analfabetismo, prometo elevar o salário mínimo a mil reais”. Tem coisas que você gostaria muito de acreditar, tem umas que você até se força a acreditar para poder escolher algum deles. Agora tem outras, que dói só de ouvir. E o pior, os safados sabem que estão prometendo calúnias absurdas e nem assim tem as faces rosadas de vergonha. Não sei se é porque eles realmente acreditam no que dizem ou se isso é apenas um sinal da Síndrome do Eu Prometo em estado avançado (estudiosos, por favor me ajudem). O fato é que eles só fazem prometer.

Tirando os políticos, principais propagadores e intoxicados pelos vírus, temos ainda os seres humanos normais que hora ou outra são afetados por alguns dos sintomas. A virada do ano oferece um ambiente extremamente propício para a proliferação desses casos. É a Síndrome do Eu Prometo aliada às resoluções do ano novo. “Prometo passar mais tempo com a minha família”, “prometo fazer trabalho voluntário”, “prometo parar de comprar coisas que eu não preciso”. Milhares de promessas, infinitos votos de coisas que sabemos que, ao longo do ano, muito pouco conseguiremos cumprir. Mas é simplesmente impossível não prometer pelo menos uma coisinha. É uma vontade incontrolável, maior do que você.

Não podemos esquecer também das promessas dos relacionamentos. “Prometo te amar para sempre”, “prometo nunca te esquecer”, “prometo que não vou me atrasar”, “prometo que esse final de semana a gente se vê”, “prometo que vou mudar”, “prometo que nunca mais vou reclamar disso”. E mais uma lista infinita deles. Aliás, alguém pode me explicar a função dos votos do matrimônio? O que é aquilo? “Prometo te amar para sempre, na riqueza e na pobreza, na saúde e na doença, na felicidade e na tristeza e blah blah blah até que a morte nos separe”? O que é isso? No momento que o sujeito está dizendo aquilo já está pensando “será que eu vou conseguir cumprir tudo isso?” “será que eu conseguirei amá-la/o da mesma maneira daqui há 50 anos, quando ela/e estiver toda/o enrugada/o, caída/o, mal humorada/o e pouco se lembrar de mim?” Sem querer ofender os mais românticos, mas os votos do casamento estão com os dias contados. O número de divórcios já provou que, hoje em dia, eles são apenas mais uma parte do protocolo a ser encenada, sem muito comprometimento em ser seguida. Burocracias da vida a dois. Afinal, o casal promete, na frente de um juiz (civil ou religioso), que vai se amar e se respeitar pelo resto de suas vidas, mas com a segurança de que a constituição já permite o divórcio e ainda garante a integridade de ambas as partes caso o processo venha a ocorrer.

A verdade é que, desde tenra idade, o ser humano vai encubando o seu vírus do Eu Prometo. Em alguns, a síndrome começa a se manifestar mais cedo. Em outros, mais tarde. As vezes, o processo todo tem início naturalmente, como se fosse uma evolução normal durante o crescimento e formação do caráter. Outras vezes, o estopim do fenômeno tem suas bases em algum evento traumático, algo que deveria acontecer e não aconteceu, gerando uma ânsia de vingança baseada em prometer e não cumprir. Não importa qual seja a origem. O importante é que, desde que o mundo é mundo, a Síndrome do Eu Prometo vem ajudando a erguer impérios, destruir nações, gerar expectativas, implodir confianças e, principalmente, nos provar que o ser humano ideal simplesmente não existe.

1 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Eu prometo fazer mais pausas para um café, ou chá, quem sabe...
adorei os dois ;)

31 agosto, 2006 21:41  

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