Chá ou Café?

Chá. Chá preto, chá verde, chá mate, chá de lírio, chá de cogumelo.... para reunir os amigos, para conversar, para viajar... Histórias mais filosóficas, mais sensoriais, mais espirituais, mais... ........................................... Café. Café curto, café longo, café com um pouquinho de leite. Pra acordar, pra deixar ligado, pra tomar rapidinho no balcão. Histórias do dia a dia, teorias de 2 segundos, pirações mais terrenas...

terça-feira, março 11, 2008

Se eu tivesse tempo... – uma história de chá, atemporal

“Eu não tenho tempo” É isso o que eu, você e mais uma porrada de gente repete a todo o momento, perdendo até a noção de quantas vezes já repetiu, como se o tempo fosse algo mensurável e pudéssemos realmente tê-lo ou não tê-lo.

“Não tenho tempo”, “preciso arranjar um tempo”, “estou sem tempo”, “preciso de um tempo para mim”, “eu não sei o que fazer com o meu tempo livre”. Quando será que os seres humanos acharam que tinham poderes sobre o tempo? Quando passaram a nomeá-lo e dividi-lo com horas? O tempo é relativo, sendo assim, ter ou não ter tempo também é relativo e por sua vez, impossível de ser algo preciso.

Essa falsa noção de que podemos controlar o tempo, que podemos ter o NOSSO tempo, perder tempo ou ganhar tempo é apenas um reflexo de nossa necessidade de controlar tudo. Como é possível perder tempo se você nunca realmente o teve em suas mãos? E como é possível ganhar tempo se ainda não conseguimos estocar horas? E ter um tempo só para si é algo completamente ilusório, já que o tempo não é de ninguém, é simplesmente a diferença entre a alvorada e o anoitecer.

É engraçado como hoje em dia, quando tudo muda tão rapidamente, quando o imediatismo é imperativo e quando vivemos entre ondas de ansiedade e terror, as pessoas estão realmente obcecadas com o tempo. Obcecadas em possuir o tempo, desejosas de poder transformá-lo em mais um bem comercial.

Você vai na padaria e pede 3 pãezinhos, 200 gramas de queijo, 100 gramas de presunto e mais 5 unidades de tempo para poder ficar assistindo TV enquanto toma seu lanchinho. Bom seria se algo assim fosse realmente possível. Mas acho que é mais ou menos essa noção que temos hoje em dia, apenas não temos uma real consciência disso.

Porque ao falarmos do tempo, sempre nos referimos a ele como um bem tangível, tenho, não tenho, vou conseguir, reservei um para mim. Vivemos essa ilusão com o tempo, enquanto o próprio tempo nos envolve e nos confunde, mantendo-nos em uma espiral de ansiedade e tensão.

Na realidade, não controlamos o tempo, ele que nos controla. Somos escravos de seus segundos que correm apressados, dos minutos compassados e das horas que se arrastam. Apenas adequamos nossas necessidades e vontades às reais vontades do tempo. Uma pena que, inocentemente, ainda achamos que temos controle sobre o tempo.

Seria realmente muito mais fácil deixar-se guiar pelo nascer e pôr do sol, ao invés de viver essa ditadura dos segundos. Mas isso seria livre demais e devemos ter controle. Bem, aí está, o preço por tentar controlar algo tão arisco quanto o tempo é simplesmente nos tornarmos escravos do próprio objeto de desejo.

quinta-feira, março 06, 2008

Encapsulada – uma história de chá, em cápsulas

No terceiro milênio, a vida como a conhecemos se resume em cápsulas. Algumas maiores, outras menores, algumas para engolir, outras para ser engolido, mas basicamente, nosso cotidiano gira ao redor das cápsulas.

Primeiro as óbvias. Foi-se o tempo em que o homem caçava, cozinhava e lavava a louça para se alimentar. Hoje em dia, ele simplesmente ingere suplementos alimentares em forma de cápsulas. Vitaminas, proteínas aminoácidos, o que quer que você precise sempre pode conseguir, prontinho para consumo, em alguma cartela ou tubinho mágico adquirido na farmácia ou similar.

Encapsulados, não de forma tão radical como os comprimidos, estão também os alimentos congelados, enlatados, instantâneos, embalados a vácuo, pasteurizados ou em embalagem longa vida. Prontos para consumo, ou quando muito semiprontos para consumo, esses alimentos cuidadosamente acondicionados em invólucros plásticos são a solução alimentar de uma grande parte dos habitantes do planeta Terra.

Indo um pouco mais além, hoje em dia também trabalhamos encapsulados, hermeticamente fechados, conservados a uma temperatura artificial mantida com a ajuda do ar condicionado, passado os dias enjaulados em cápsulas de concreto, achando que contribuímos para o futuro da humanidade.

Ao voltar para casa, nos fechamos em nossas cápsulas, às vezes empilhadas umas sobre as outras, esperando o amanhecer de um novo dia encapsular. Para se divertir, nos trancamos em cápsulas escuras para ouvir música ou ver filmes de formatos encapsulados. Para nos mantermos saudáveis, freqüentamos cápsulas equipadas com ferramentas estranhas que nos permitem a prática controlada de exercícios. Correr ao ar livre é perigoso. Nadar no rio causa doenças e andar de bicicleta é suicídio.

Ao ligar a TV, assistimos a noticiários encapsulados, todos seguindo a mesma fórmula, utilizando a mesma composição química e apresentando os mesmos efeitos colaterais. Em época de eleições, ao escolher o novo candidato, estudamos a bula, verificamos as conseqüências em caso de superdosagem, mas sempre nos enganamos ao achar que a embalagem nova mudou a cápsula antiga e mais uma vez sofremos com os males da indigestão.

Felicidade também vem em cápsulas, basta apenas escolher a dose de alegria desejada. Assim como o sono, a fome, a energia, a disposição e um monte de outros sentimentos e sensações que até outro dia os seres humanos produziam naturalmente.

A vida moderna é assim. Vivida em cápsulas. E, entre escolher a cápsula vermelha ou a azul, eu prefiro apenas abdicar de todas elas e descobrir se ainda existe vida depois da tarja preta.