Chá ou Café?

Chá. Chá preto, chá verde, chá mate, chá de lírio, chá de cogumelo.... para reunir os amigos, para conversar, para viajar... Histórias mais filosóficas, mais sensoriais, mais espirituais, mais... ........................................... Café. Café curto, café longo, café com um pouquinho de leite. Pra acordar, pra deixar ligado, pra tomar rapidinho no balcão. Histórias do dia a dia, teorias de 2 segundos, pirações mais terrenas...

terça-feira, abril 17, 2007

“Mas eu não sabia”, a nova coqueluche do momento – uma história de chá, socrático

Foi-se o tempo em que ser o último a saber era sinônimo de marido traído. Hoje em dia, a moda é “mas eu não sabia de nada...” com cara de cachorrinho sem dono, é claro. Não tem erro, se você está realmente errado, é inegavelmente culpado, a tática é se fingir de morto, fazer cara de desentendido e encarar cada acusação como um grande mal entendido, senão uma enorme surpresa.

A tática é valida em qualquer situação. De roubo dos cofres públicos a assalto à geladeira. Cadê aquele último pedaço de pudim que eu tava guardando? Ah querida, não sei de nada, nunca nem vi esse pudim! A gente comeu pudim essa semana? Tem certeza? Eu acho que não heim... é melhor perguntar às crianças.

Chegou bêbado em casa, vai apanhar da mulher: mas querida, eu não sei nem meu nome, como é que você quer que eu saiba de quem é esse batom aqui? Eu não sei de nada, meu amor... Agora deixa eu dormir pra esquecer...

Perdeu o milésimo gol da carreira: ah, mas eu não sabia que esse já era o milésimo gol. Juro, se eu soubesse, até tinha me preocupado mais. É impossível que eles não me avisem uma coisa dessas...

Encontraram 4 milhões escondidos atrás de uma parede falsa: mas como é que isso foi parar aí? É um absurdo. Esses pedreiros de hoje em dia fazem essas atrocidades e depois quem paga o pato somos nós cidadãos de bem?! Vê se pode uma coisa dessas. Te juro de pés juntos, eu não fazia nem idéia de tudo isso aí, não sabia de nada, nunca soube e se não fosse por vocês, possivelmente nem viria a saber.

Na rua: Cadê o celular aí doutor? Puxa, não sei. Passa a grana aí camarada e não tenta nada não que eu tô ligado na sua! Nossa, não sei do que você está falando. Pára de enrolar ô amizade e me passa logo os cartão, vamo ali naquele caixa eletrônico fazê umas coisinha. Olha, desculpa, mas eu realmente não sei do que você está falando. Nunca vi isso aí, não tô sabendo de nada, não posso te ajudar. Agora me dá licença que tão me chamando ali ó.

Na escola: Joãozinho, a sua prova está igualzinha a da Fernanda. Você colou? Eeeeeu? Professooora, a senhora está duvidando de miiiim??? Mas eu não sei de nada não. Como é que uma coisas dessas foi acontecer?!?! Joãozinho seu menino travesso, não se faça de desentendido. Olha professora, pra ser sincero, eu nem sei quem essa Fernanda é. Eu presto tanta atenção na aula, que nem reparo nas pessoas. Mas ela senta do seu lado, menino!!! Sério? Nunca reparei. Olha professora, eu juro, eu não sei de nada disso que a senhora está dizendo aí não.

É simples. Com o “mas eu não sabia” você pode ser feliz em qualquer ocasião. Transitar de um extremo a outro sem grandes traumas ou frustrações e ainda de quebra, tirar alguma vantagem nisso. Afinal, pra todos os efeitos, você não sabia de nada!

quinta-feira, abril 12, 2007

A história das coisas – uma história de chá, da Cracolândia

Eu trabalho no centro de São Paulo, mais precisamente na região conhecida como Cracolândia. Na realidade, nem é tão mal quanto parece. Você se acostuma fácil e depois não faltam motivos para dar risada. Mas infelizmente, apesar de estar perto de diversas coisas interessantes, eu, como boa paulistana que sou, nunca tenho tempo para visitar nenhuma delas, estou sempre com pressa e tenho sempre um compromisso urgente e inadiável. É por isso que para pessoas como eu, existem os imprevistos. Amém!

Hoje, por um acaso do destino, acabei indo almoçar sozinha. Ótimo para pensar na vida. Depois de comer, notei que ainda me faltava um tempo da preciosa “hora do almoço” e resolvi caminhar um pouco, também ótimo para pensar na vida. Primeiro sai sem destino, entrei numa rua meio deserta e quando estava decidindo o que ia fazer, avistei o prédio da Pinacoteca ao fundo. Que sensação boa. Adoro construções antigas, elas me deixam imensamente feliz simplesmente por existirem. Atraída, hipnotizada, fui andando até chegar bem perto do edifício. É incrível como eu me sinto bem perto desses lugares cheios de história, imóveis, imponentes e de certa forma, imortais. Na porta, é claro, estavam diversos estudantes entediados com a idade do prédio e das obras que nele habitam. Provavelmente eu já fui um deles. Felizmente as pessoas mudam.

Passei encarando a Pinacoteca e me lembrei do Parque da Luz, que existe logo adjacente. Dia de sol, céu azul, temperatura gostosa. A sombra das árvores, o colorido das flores. Perfeito. E ilógico. Um parque até que bem cuidado, mas freqüentado pelas figuras características dessa parte do centro. Loucos, loucas, prostitutas, travestis. Todos surrados, maltratados, mal amados, mal nutridos, mal sonhados. Adoro parques, adoro verde, adoro sol, adoro luz. Não me senti mal. Tampouco me senti bem. Apenas me senti viva e privilegiada. Horário de almoço no centro infernal de São Paulo e eu estava calmamente passeando num reduto verde, esquecida da vida e do que deveria fazer. A energia que as coisas velhas emanam deveria ser algo a ser estudado, capturado, sintetizado e distribuído para a paz mundial. Você pode sentir a idade das coisas. Você pode sentir a segurança da experiência, pode imaginar tudo o que aquilo já viu, sentiu, observou, impassível e presente. É como se por alguns segundos, estando sob seu teto, perto de suas paredes, você pudesse também absorver um pouco de toda aquela vida, aquela energia, aquela história.

Sai do Parque. Cruzei a estação da Luz. Como coisas tão incríveis podem passar tão desapercebidas no dia a dia de milhões de paulistanos? Quantas mil pessoas passam naquele lugar todo dia, ansiosas por chegarem ao trabalho, sedentas por chegar em casa, desligadas do mundo que está lá fora, atentas apenas ao mundo que corre desgovernado dentro delas. Como não notar toda história que se desenrola à frente de nossos olhos, como não sentir a vibração que vem de cada viga, como ignorar cada sinal vindo do passado, como não ouvir cada mensagem clamando por um futuro.

Sei lá. Às vezes é preciso se desligar de si mesmo. Parar de pensar com o umbigo e ouvir um pouco o que as coisas têm a dizer. Aquelas inertes, imóveis e sem temperatura corporal. Sentir o que elas já viveram, olhar o que elas já viram, pensar o que elas já intuíram e respirar o que elas já absorveram. Não é fácil, é preciso, antes disso, esquecer de muitas coisas. É por isso que para pessoas como eu e talvez como nós, existem os imprevistos, aqueles momentos que nos pegam de surpresa, nos jogam ao chão e nos fazem ver tudo de um ângulo completamente diferente e impressionantemente melhor.

segunda-feira, abril 09, 2007

Ode à cama – uma história de chá, servido na casa de Morfeu

Nunca pensei na cama como algo COMPLEXO até que, outro dia, me chamaram a atenção para o fato e sim, acho que a cama, esse objeto importantíssimo tanto para a manutenção, quanto à sustentação da espécie, é muito mais complexo do que se possa imaginar.

Quantas horas um ser humano normal passa em cima desse móvel tão peculiar? Considerando a média típica, 8 horas por dia, podemos dizer que passamos um terço de nossas vidas na companhia de tão aconchegante peça de mobília. Com tamanha convivência, é impossível não criar laços de afeto e até dependência pelo objeto inanimado, mas capaz de causar desejos desenfreados e fúrias de ansiedade.

Quem nunca abandonou a cama com aquele olhar de desespero, com aquele suspiro incontrolado, com aquela vontade de quero mais, com aquela sensação de prazer interrompido? Quem nunca passou o dia inteiro ansiando pelo momento de reencontrá-la, jogar-se a seus pés, abraçá-la e deixar-se envolver para uma noite de puro deleite e reconforto, para no novo amanhecer, ao abandoná-la, desejá-la com todo o ardor mais uma vez.

Quantas coisas se passam em cima de uma cama. Quantas conversas no meio da noite, no começo do dia. Quantos cochilos despreocupados no meio da tarde, quantas confissões. Quantos sonhos não realizados, quantos desejos encontrados, quantas esperanças concebidas, quantas brigas conciliadas, quantos males refeitos, quantas esperas resolvidas.

No auge do cansaço, no descontrole das emoções, no desconforto das sensações, não há lembrança mais reconfortante do que, em algum momento, reencontrar a própria cama, no intuito de finalmente se sentir seguro e amparado.

Algo que nos desperta tamanha profusão de sensações, lembranças e desejos não pode ser, simplesmente, considerado apenas mais um objeto do mobiliário. Madeira, aço, alumínio, ferro, latão. Colchão, espuma, mola, algodão. É muito mais do que apenas matéria. É a essência e talvez o fim e o começo de tudo o que somos, pensamos, sonhamos e fazemos do início ao final de nossos dias.

quarta-feira, abril 04, 2007

e-bêbado, a evolução do bom e velho pinguço – uma historia de café, alcoólico

Meios de comunicação e bêbados. Por mais que às vezes a junção desses dois elementos represente um paradoxo, dependendo do estado de bebedeira o bebum pode se tornar incomunicável, é importante lembrar que durante todo o tempo em que o pudim de pinga ainda tem controle sobre sua língua, ele pode (existem suas exceções) se transformar no ser humano mais comunicativo do mundo. Ama todo mundo, abraça todo mundo, fala com todo mundo e, se ninguém lhe dá atenção, ele arruma um jeito de consegui-la.

Desse princípio, surgiu o clássico bêbado telefonista. Aquele que, antigamente, ligava de madrugada dizendo coisas indecifráveis no meio de declarações de amor, te convidava para um lugar que você não entendia e, no dia seguinte, negava de pés juntos tudo e qualquer coisa.

Com a invenção e disseminação do celular, tivemos a primeira evolução do bêbado telefonista. Tendo a possibilidade de ligar a qualquer hora para qualquer um, o cachaceiro devidamente manguaçado saia ligando para todo mundo, falando todo e qualquer tipo de atrocidade via telefone móvel. Com a popularização do SMS, vulgo torpedo, o bêbado telefonista evoluiu para o bêbado telegrafista, porque afinal, uma mensagem enviada por alguém que não consegue nem falar é impossível de ser lida, devendo assim ser decifrada.

E por fim, vejo, já há algum tempo, o surgimento da nova espécie da linhagem. O e-bêbado. Isso mesmo senhoras e senhores, o bêbado virtual, o bêbado cibernético, o bêbado do terceiro milênio plugado e atualizado com todos os recursos e possibilidades da internet. Surfando imprudentemente nas ondas do ciberespaço. Disponível nas versões “estou chegando da balada agora” e “passei a noite inteira aqui bebendo com o computador”, o e-bêbado pode ser encontrado e apreciado após as 2 da madrugada em qualquer programa de comunicação instantânea disponível na internet. Sempre disposto a uma conversa fiada e um papinho nonsense, o e-bêbado é o fanfarrão virtual.

É fato, se você entra no MSN ou qualquer similar depois das 2 da manhã, ou você encontra aquele seu amigo puto trampando pra caralho ou então uma porção de e-bêbados. Piadas sem graça, comentários que você não entende, erros e mais erros de digitação, já foi provado que o álcool atrapalha o reflexo e a coordenação motora, o webcachaceiro é diversão na certa. Se você é um e-bêbado também, nada mais lógico do que trocar idéia com seus companheiros igualmente alcoolizados. Se você está sóbrio, é sempre uma boa oportunidade de dar umas boas risadas, e se o seu interlocutor está sóbrio, prepare-se para a retaliação no dia seguinte. Sem contar o chavequinho virtual que corre solto durante toda a madrugada. Afinal, todo bêbado, mesmo que preso às limitações do mouse e do teclado, só quer amar. Mesmo que no dia seguinte ele lembre de muito pouco, ou quase nada, pelo menos não corre o risco de acordar com alguém que “não conhece” ao seu lado. No máximo uma cpu danificada.

Antigamente, a gente ficava bêbado, abraçava os amigos fazia pessoalmente, carnalmente e enfaticamente juras de amizade e eterno amor. Com o tempo, passamos a apenas telefonar em momentos ternos como esse. Hoje em dia, as coisas estão tão distantes, ou tão rápidas, ou tão volúveis que o modo mais fácil, indolor e atual de ser super comunicativo quando bêbado, é ligar o computador e ficar dizendo absurdos à distância, sem ver, ouvir, ou tocar a pessoa do outro lado da rede.