Chá ou Café?

Chá. Chá preto, chá verde, chá mate, chá de lírio, chá de cogumelo.... para reunir os amigos, para conversar, para viajar... Histórias mais filosóficas, mais sensoriais, mais espirituais, mais... ........................................... Café. Café curto, café longo, café com um pouquinho de leite. Pra acordar, pra deixar ligado, pra tomar rapidinho no balcão. Histórias do dia a dia, teorias de 2 segundos, pirações mais terrenas...

terça-feira, dezembro 19, 2006

A escrita dos ébrios – uma história de chá, em linhas gerais

Eu sou uma daquelas pessoas que, bizarramente, não escrevem sobre as linhas. É, isso, pautas... chame do que quiser. Quando estava sendo alfabetizada, ainda era obrigada a preencher os espaços corretamente entre as linhas, mas depois de adquirir certa liberdade e mobilidade entre as páginas do caderno, aprendi que as linhas estavam ali pura e simplesmente para também serem ignoradas. Para indicarem o caminho e não para serem molestadas.

Literalmente, eu escrevo entre as linhas. Entre a de cima e a de baixo, exatamente no meio. Acho que foi no ginásio que comecei com esse hábito e, desde então, não mudei mais. Escrever em cima da linha, como as pessoas “normais” é absolutamente incômodo. Tem aquele risco azul claro embaixo de tudo aquilo que você escreve, cortando a perninha do p, do q, do z e tantos outros, uma tristeza. Sem contar que as bolinhas perfeitas dos os e dos as ficam com aquela barriga quadrada, parecendo um Basset se arrastando pela sala.

Conquistada a minha alforria do colégio e finalmente adentrando em ambiente universitário adquiri, por fim, a minha tão merecida e mais uma vez literal liberdade de escrita. Comprei meu primeiro caderno sem pautas. Isso, apenas folhas brancas uma em seguida da outra. Sem linha de margem, sem coluna, sem nada. Papel em branco, puro e simples. Aquela história de escrever subindo a montanha ou descendo a dita cuja nunca funcionou para mim. Escrevo muito mais reto sem as malditas linhas do que com a ajuda delas.

Obviamente, não usei caderno por muito tempo, quem na faculdade realmente usa? Pouco a pouco, meu caderno se transformou num bloquinho de notas e hoje em dia, formada, sou a rainha dos papeizinhos. Odeio carregar caderno, agenda e esses trambolhos pesados que só ocupam espaço. Mas por outro lado, vira e mexe tem alguma coisa que eu quero anotar. Aí, é só recorrer aos bons e velhos papeizinhos. Notinha do supermercado, canhoto de banco, guardanapo, ingresso de cinema, cartão de visita, telefone de alguém.

A minha mesa de trabalho é lotada de anotações mil espalhadas em papéis de todos os gêneros, espécies e origens. À direita, um bloco de folhinhas de recado. Ao centro, uns tantos papéis A4 dobrados ao meio (todos rabiscados) e à esquerda, uma pilha de papéis com uma face utilizada e outra para rascunho (eu ainda participo da cruzada pelo bem estar das pobres arvorezinhas! quanto papel é desperdiçado por aí, um absurdo!). Com tanta coisa escrita para todo lado, às vezes nem sei por onde começar. Tenho que parar tudo, organizar os assuntos, passar tudo à limpo (no papel mais próximo) para começar a bagunça mais uma vez. Minha bolsa, então, sem comentários. A única coisa que carrego, invariavelmente, é uma caneta. Papel a gente arranja e escreve. Depois repasso a anotação para algum lugar e o papel se perde na infinidade dessa vida.

Enfim, não dizem por aí que Deus escreve certo por linhas tortas? Sem querer fazer nenhuma comparação, só me aproveitando do chavão, eu apenas decidi escrever sem linha nenhuma mesmo. Provavelmente, alguém vai querer analisar isso dizendo que é um sinal de rebeldia, que eu escolhi não seguir os caminhos impostos pela sociedade, ou quis apenas me destacar como diferente numa fúria por atenção. Papagaiadas à parte, eu acho que as linhas atrapalham a linha (a palavra linha tem tantas utilidades, né? pode ser uma reta, um fio de tecido, uma diretriz de raciocínio, mas a impressão que se tem é que linha, seja o uso que seja, é sempre algo contínuo, reto e estreito) de leitura e por conseqüência, de escrita também. Já viu livro pautado? Então, nem eu. No máximo uma letra com serifa. É por isso que eu termino dizendo que esse negócio de andar na linha só funciona para gente sem equilíbrio.

quinta-feira, dezembro 14, 2006

Telemarketing, que o diabo lhe carregue – uma história de café, com gerúndio

A invenção dos serviços de telemarketing só pode ter sido obra do diabo. Um dia, fulano que vendia tapeware de porta em porta estava dormindo calma e tranquilamente, quando teve uma visão, ou sonho, talvez pesadelo: e se, ao invés de bater de casa em casa oferecendo meus fabulosos potes de luxo, eu não ligasse para meus clientes e para os não-clientes também, oferecendo condições especiais de pagamento e serviços esplêndidos em conservação de alimentos? Obviamente, isto não veio de nenhuma mente sã. Foi implantado pelo tinhoso em pessoa ou alma, ou animal, na cabecinha oca do pobre infeliz. E desde então, fez-se o caos.

É claro que, aqueles desprovidos de senso de humanidade, compaixão, auto-respeito e vergonha alheia adoraram a idéia, implantando esse maravilhoso sistema para a venda de quase tudo a que se tem conhecimento.

Um vendedor que te liga às 8 horas da manhã de um sábado chuvoso simplesmente não pode estar bem intencionado. E isso nos leva a outra questão: que intrigante força faz com que os atendentes de telemarketing sempre liguem nos horários mais inapropriados para se telefonar à alguém? Novamente, isso só pode ser obra do demo. Quem mais avisaria o pobre funcionário, preso à sua baia incômoda, seu telefone incansável e seu microfone ridículo, de que aquela é a pior hora possível para se ligar à alguém e concluindo a tarefa naquele momento exato, seu fracasso será garantido?

É claro que o operador de telemarketing está apenas fazendo seu trabalho, ele não tem nada especificamente contra VOCÊ. O problema é que o trabalho dele é muito chato e pior, o trabalho dele chatopracaralho inclui você na equação. Na maioria das vezes, o supra citado atendente nem entende direito o que está vendendo, fica só lá lendo e relendo a mesma folha estúpida com um discurso asqueroso transbordando em gerúndios grotescos e, frustradamente, poucas vezes consegue superar a barreira da primeira página, já que ninguém suporta mais conversar com o(a) mocinho(a) do telemarketing.

O que nos leva a mais uma pergunta deveras pertinente. Você conhece alguém que se convenceu de algo numa dessas conversas de venda forçada por telefone? Você já, alguma vez, se deixou convencer por alguma dessas artimanhas? Então porque é que as empresas continuam insistindo nesse tipo de serviço? Não é possível. Não conheço ninguém que goste de receber telefonemas desse tipo, que tenha paciência de conversar com atendentes robotizados e muito menos que não consiga dispensar o pobre infeliz em poucos segundos de não-conversa. Então como é que sempre tem um atendente de telemarketing descobrindo o seu número telefônico, invadindo a sua privacidade e não se conformando que você definitivamente não está nem um pouco interessado no novo lançamento revolucionário que vai mudar a sua vida mas você nem vai sentir a diferença?

Fica óbvio, então, que tudo não se passa de uma grande brincadeira. Chacota, pegadinha. Não existe nada para ser vendido, os vulgo-atendentes telefonam direto de outra dimensão e a única e exclusiva função desse fantástico serviço é te atazanar até a exaustão, ou seja, apenas mais uma das diabruras do coisa ruim, belzebu, aquele de quem não falamos o nome.

Frente a essa nova constatação da realidade, passo então a adotar uma nova linha de atitudes a serem tomadas quando surpreendida por uma dessas gracinhas: pedir para falar com o chefe (o mano do tridente e dos chifrinhos) e mandar ele ir para o quinto dos infernos de uma vez por todas, me deixando em paz para curtir o meu mau humor sossegada.

Alucinando, uma realidade – uma história de chá, de Salvia Divinorum

A realidade não passa de uma grande alucinação. Mas não uma alucinação coletiva, como uma grande Matrix. A realidade é um conglomerado de alucinações individuais convivendo e colidindo. Isso porque cada um de nós tem a sua visão e interpretação única e exclusiva do mundo, resultando numa concepção de realidade “privativa”. E sendo esse conceito uma leitura muito particular daquilo que se vê, está sujeito a filtros, físicos e ideológicos, criados por aquele que a tudo observa.

Em termos práticos, o fato de eu ter um certo grau de miopia e você de astigmatismo já altera radicalmente nossa noção de realidade. O que para mim, lá longe não existe, para você faz sentido. Enquanto isso, o que eu te mostro aqui, você não consegue nem ver. Desse modo, não habitamos o mesmo mundo, não conhecemos a mesma verdade e não compartilhamos de um mesmo estado real. Nossas realidades apenas se encontram e se mixam, propiciando uma interação, mas não significa que estejamos dividindo o mesmo plano.

Da mesma forma, ideologias diferenciam completamente a minha realidade da sua. Podemos observar a mesma cena, mas o modo com que eu a enxergo e interpreto de acordo com os ideais aos quais acredito é diferente do modo com que você faz o mesmo, resultando em duas realidades distintas mesmo que oriundas de uma base igual. Daí você pode sugerir que a realidade é sempre a mesma, o que muda é como cada um a vê. Mas eu acho que a coisa vai mais além. A realidade é ilusória. Um acúmulo de coisas e vontades que nós queremos que estejam ali. E como as pessoas nunca querem as mesmas coisas, essa realidade é individual e intransferível, como as meia-entradas em shows de estádio.

Assim, ao longo do tempo, cada um vai construindo sua própria realidade, sua própria alucinação. Deste modo, é irreal que certas pessoas gastem a vida toda tentando explicar algo que para elas é obvio, mas que para outros simplesmente não está ali. Como aquela mania de teorizar tudo. Absolutamente inútil. Nada é exatamente daquele jeito para ninguém, as leis que regem o universo e as regras que controlam nossos organismos são diferentes para cada um e isso se traduz em várias verdades, todas certas, porém nenhuma absoluta.

Não adianta tentar generalizar, como muitas vezes não adianta tentar entender. Somos apenas um monte de loucos vagando perdidos num universo ilusório, tentando buscar um sentido em tudo, quando na realidade nada realmente faz sentido. Quando você se dá conta de que nada muitas das coisas nas quais você acredita apenas têm sentido na sua cabeça, você percebe que é uma perda de tempo deslocar energia para se preocupar com picuinhas.

E no meio dessa sucessão de alucinações, felizes aqueles que conseguem se distanciar da massa e apreciar o quadro visto de cima. Um mosaico impressionista, caleidoscópio de percepções, apenas a beleza da insensatez da vida.

sexta-feira, dezembro 08, 2006

Auto-Ajuda from Hell – um texto de chá, de narciso

Arrogância, Prepotência e Ambição. A tríade para uma vida verdadeiramente autêntica, nada dessa hipocrisia de falar uma coisa e fazer outra. Sim, assim mesmo, na lata. Abrindo o texto, introduzindo o assunto, dando margem para todo e qualquer tipo de discussão. Agora que já fui agressiva o suficiente, faz-se justo me justificar.

Você quer que as pessoas acreditem no que você diz ou faz? Não tem outro jeito, precisa de um pouco de arrogância. Por pior que seja a merda que você está dizendo, por mais descabida que seja a idéia que você está propondo, se você disser com convicção o suficiente e for apenas arrogantemente preciso em seus argumentos, todo mundo vai acreditar em você. E não só acreditar, apoiar, seguir e oferecer todo tipo de suporte.

Não adianta, humildade não está com nada. Se você não se expõe, você não é visto e se você não é visto, não é ninguém. Sempre usando a mesma teoria da árvore que cai no meio da floresta, se ninguém viu, não aconteceu. Se você não se portar como 50% a mais do que você é, ninguém vai acreditar em 50% menos do que você poderia ser. Ser prepotente não é simplesmente se achar o dono da verdade, é se portar com tamanha confiança, que as pessoas passam a acreditar em você.

E por último, desde quando pensar pequeno levou alguém à algum lugar? Você acha que Moisés teria chegado ao seu destino se não acreditasse que poderia facilmente abrir o Mar Vermelho? Não importa o que você queira, sempre planeje muito mais do que um dia você possa vir a alcançar. Assim, se no fim da jornada, você tiver chegado ao meio do caminho, com certeza já vai ter sido muito mais do que você chegaria se tivesse ficado grudado à pequenice de sua idéia inicial. A ambição move o mundo. É preciso sonhar e sonhar bem longe se você almeja se mover. Se você vai chegar onde deseja, isso é um mero detalhe. A parte importante é que sem esse impulso inicial gigantesco, você nunca chegaria a se mexer.

Agora, porque essa trilogia do mal faria com que você, cidadão do bem, que faz trabalho voluntário, ajuda as velhinhas a atravessarem a rua e ainda contribui para a caixinha de Natal do prédio, tivesse uma vida verdadeiramente autêntica? Porque simplesmente você iria parar de fazer as coisas para os outros, para que as pessoas vissem, comentassem e elogiassem, inflando o seu ego, e começaria a fazer as coisas simplesmente para você. Não quero aqui transformar ninguém em nenhum monstro repugnante, só peço um pouco menos de hipocrisia.

Não precisa xingar o cobrador do ônibus, bater no lixeiro e atropelar o vendedor de bala no farol. Não, muito pelo contrário. O que eu penso é que se você acha que algo deveria ser diferente, se verdadeiramente você acha que poderia ser melhor, então efetivamente faça alguma coisa. Use sua arrogância para convencer os outros de que a sua é uma boa idéia, use a sua prepotência para coordenar um grupo realmente ativo e use a sua ambição para planejar algo grandioso, alcançando, no fim, resultados cujos efeitos possam ser realmente sentidos.

Agora, a teoria não se aplica apenas na tentativa de mudar o mundo, claro que não. Essa era apenas a minha resposta para os hipócritas mais radicais. Se você quer somente viver a sua vida melhor, simplesmente aplique a mesma teoria. Arrogância para ser fiel ao que você acredita, sinceramente conhecendo as suas vontades, prepotência para agir de acordo com os seus ideais, e ambição para transformar projetos em realidade. Prometo, a felicidade está bem longe do fim do arco-íris.

quarta-feira, dezembro 06, 2006

Pelo uso consciente da energia negativa – uma história de chá, energético

Venho, por meio desta, lançar a revolucionária campanha pela economia da energia negativa. Isso, ela mesma, aquela energia que é tão ruim, mas tão ruim que consegue fazer a luz oscilar, o cachorro latir e todas as violetas da sua mãe murcharem.

Já reparou em quanta força é desperdiçada, quantos pensamentos desviados e quantos planos arruinados só pelo uso indevido, aliás, o extra uso da já citada e doravante apenas EN, energia negativa? Parece que quanto mais você pensa na possibilidade de algo dar errado, maior é a probabilidade de isso efetivamente acontecer. Como se todo o universo conspirasse única a exclusivamente contra você.

Uma parte de mim quer acreditar que isso realmente acontece. Que quanto mais você acredita que algo vai sair errado, mais você, consciente ou inconscientemente, age ou constrói situações que façam tudo acabar mal mesmo. Como uma validação da sua teoria. Aquela mania de “eu não disse, eu não disse?”.

Por outro lado, tem coisas que apenas estão fadadas a terminarem de modo desagradável simplesmente pelo modo desordenado com que começaram. Nada que você faça, pense ou mentalize dificilmente vai conseguir mudar o curso de algo que já começou mal. Se bem que, eu acredito que toda criação vem do caos e o caos está relacionado com a ausência de ordem. Mas vai saber, acho que a energia caótica é potencialmente criativa, enquanto a confusão aleatória e sem sentido apenas resulta numa energia que anula a ela mesma.

Mas saindo do plano extra-metafísico e ficando apenas do simples metafísico, você já reparou que dá muito mais trabalho pensar que uma coisa vai dar errado do que imaginar que vai dar certo? É simples. Quando você acha que algo vai acabar mal, logo surgem na sua cabeça milhares de opções para o “acabar mal” e para cada uma dessas opções, uma reação, cada vez pior, vinda de você. Um desgaste desnecessário e dispensável se pensarmos que nada aconteceu ainda. Por outro lado, o fato de algo acabar bem demanda uma energia mínima, simplesmente uma certeza de que as coisas vão se resolver de modo agradável de um jeito ou de outro e isso, no final, a gente vê.

Assim, cada vez que você usa a sua EN, a única coisa que você está fazendo é contribuir pra um acúmulo maior e, por sua vez, desperdício de energia. Isso porque, como demonstrado, o uso de seu pensamento negativo só gera mais pensamento negativo, ações negativas e reações negativas. Enquanto isso, estancando o uso de tal força do mal, sua vazão cessa, sua extra produção pára e o desperdício é resolvido. Por outro lado, ao usar sua energia positiva, ou simplesmente não fazer uso da negativa, você está contribuindo para a manutenção de um ambiente (seja ele familiar, de trabalho ou espiritual) mais saudável e ainda está economizando uma energia, a EN, que, ao contrário do sentido convencional atribuído a essa palavra, apenas faz com que toda sua força diminua.

Nesse momento, então, tento resgatar essa discussão de louco para um plano mais material, trazendo à roda os princípios das leis da física. Sendo assim, faz-se importante lembrar que toda energia negativa atribuída a um corpo, invariavelmente, vai levá-lo a uma direção contrária ao curso assumido anteriormente ou vai fazer com que ele atinja o seu estado parado. E quem, nesse mundo, quer, depois de tanto esforço, depois de tanta energia gasta, ficar parado ou então começar a andar no sentido oposto ao que se tinha proposto a alcançar?

Sem mais delongas,

São Paulo rumo à Atlântida (é de colete salva-vidas que eu vou) – uma história de café, transbordando

É dezembro. O Natal se aproxima e o verão também. E com ele, toda a fúria das tempestades veraneias. Morando em São Paulo, além de poder desfrutar de toda a diversidade, oportunidade, opções de gastronomia, cultura e lazer, você ainda pode se deliciar com as aventuras e surpresas da temporada das chuvas.

Nada como passar horas no trânsito parado no mesmo lugar, vendo o farol abrir e fechar, abrir e fechar, abrir e fechar, enquanto você anda apenas um par de centímetros. Ao mesmo tempo, do céu, as águas se jogam impiedosamente e, aqui na terra, nós mortais pagamos todos os nossos pecados. Numa cidade em que o transporte coletivo é ineficiente frente a grande massa que dele depende, a quantidade de automóveis particulares ultrapassa os limites do suportável e os bueiros e outras válvulas de escape para o acúmulo das águas não dão conta do recado, é de se esperar que chuvas e tempestades não sejam mais apenas fenômenos da natureza e sim obras do diabo, muito bem planejadas e articuladas, visando o caos e a insanidade coletiva.

O mais interessante é que, possuindo essa incrível faculdade de se adaptar a qualquer situação, seja ela boa, ruim, ou desesperadora, nós, os seres humanos, nesse caso os seres humanos que vivem na metrópole paulistana acabam se acostumando com a violência das precipitações e já esperam preparados o pior que está por vir. É gente que coloca calço nos eletrodomésticos e móveis para, na hora da enchente, não perder tudo, gente que improvisa barreiras como castores, gente que descobre caminhos alternativos para ir e vir. O comércio ambulante também se supera a cada nova estação. Capas de chuva de plástico a preços promocionais, guarda-chuvas que duram apenas um vendaval e agora, a sensação do verão: coletes salva-vidas. Isso mesmo, senhoras e senhores, coletes salva-vidas. Parece até mentira, mas não é. Sabe quando aquela avenida vital para o bom funcionamento do tráfego de carros simplesmente alaga em proporções monstruosas, carros saem boiando, pessoas contraem leptospirose e crianças lançam barquinhos de papel rumo ao “mar? Então, para essas ocasiões, agora os menos afortunados pegos de surpresa pela raiva de São Pedro não precisam mais sofrer do terror de se afogarem. Para todos eles e todos os outros que possam vir a temer, temos, finalmente, os intrépidos vendedores de coletes salva-vidas, oferecendo o exótico artigo pela pechincha de vinte reais! É ou não é um bom negócio?

Juro que já tinha visto pela TV gente saindo de casa em botinhos, canoas, mesas, portas... mas colete salva-vidas é novidade. Imagina só você parado no trânsito, o ambulante oferece: água, biju, pipoca doce, ou colete salva-vidas? É ou não é para chorar, de rir ou de tristeza mesmo. É nesse momento que as piadas encontram a realidade. Aquele negócio de ir trabalhar de jet sky, barco, banana boat ou boinha, dia após dia, torna-se mais possível, ou então é rezar para disponibilizarem logo para a grande massa aquele automotivo do James Bond que além de turbo, laser e metralhadora, ainda possui funções subaquáticas.

Outra opção é se conformar com o fim do mundo, aceitar a chegada do dilúvio, agarrar seu parceiro e entrar na arca, porque, dizem por aí, a jornada é longa, o comandante é um bêbado desorientado e ninguém sabe mesmo onde tudo isso vai parar.