Chá ou Café?

Chá. Chá preto, chá verde, chá mate, chá de lírio, chá de cogumelo.... para reunir os amigos, para conversar, para viajar... Histórias mais filosóficas, mais sensoriais, mais espirituais, mais... ........................................... Café. Café curto, café longo, café com um pouquinho de leite. Pra acordar, pra deixar ligado, pra tomar rapidinho no balcão. Histórias do dia a dia, teorias de 2 segundos, pirações mais terrenas...

quarta-feira, agosto 30, 2006

A Síndrome do Eu Prometo – uma história de chá, eu prometo

Eu prometo. Todo mundo já ouviu ou proferiu essas duas palavrinhas seguidas de alguma boa mentira. “Eu prometo parar de fumar, eu prometo começar a dieta na segunda, eu prometo que não vou me atrasar, eu prometo que vou mudar, eu prometo que nunca mais vou beber” e por aí vai. É incrível o poder de atração que esses dois vocábulos exercem sobre a mentira. Deve ser algum fenômeno astrofísico, metafísico, não sei. Algum cientista deveria realmente estudar o fato. Realizar alguns experimentos, isolar algumas cobaias em laboratório e submetê-las a inúmeros testes, até chegar a alguma conclusão, ou conclusão alguma, o que viesse primeiro.

Obviamente, o uso de ratos ou macacos ou coelhos como cobaias seria inútil. Primeiro porque os pobres bichinhos não falam (o que em muitas sociedades pode até ser uma vantagem) e segundo porque acho que a mentira não faz parte do instinto natural desses animais. Nunca me lembro de ter visto um cachorro ou um gato ou uma galinha mentir. É claro que não colocarei minha mão no fogo por nenhum deles, mas até agora, nenhum me prometeu nada que não tivesse cumprido (principalmente pelo fato de que eles não prometem nada, de modo algum).

A mentira deve ser um daqueles acessórios que vêm de fábrica no ser humano. O bebê nasce e bum! Em poucos dias já é exposto a toda sorte de mentiras. “Ai que bebezinho lindo você tem”, mesmo que o pobre ainda se pareça com um joelho vermelho, careca, sem dente e com os olhos fechados. “Prometo que eu nunca vou te abandonar” até o dia em que a criança é esquecida na saída da escola. “Você vai ser famoso, meu filho”, e o cidadão passa a vida toda achando que é um artista, quando não tem talento algum.

Não faço a menor idéia de que altura da vida a criança começa a criar suas próprias mentiras. É claro que, durante suas brincadeiras, ela cria amigos de mentira, comidas de mentira, ambientes de mentira e outras tantas mais. Mas isso não é a mesma coisa que dizer algo para alguém que não seja verdade, ou pior, prometer algo que já sabe que não vai cumprir.

Admito que a mentira tem um papel fundamental no desenvolvimento da sociedade. Mas sendo esse um assunto muito polêmico, delicado e longo, deixo ele de lado para posterior divagação. No momento, me interessa a Síndrome Do Eu Prometo, aquela cujo indivíduo contaminado sai por aí prometendo um monte de coisas sem cumprir nenhuma delas e pior, sabendo que não as vai cumprir. Na realidade, ainda não sei qual é a manifestação mais perigosa. Se aquela onde o afetado promete algo achando realmente que pode cumprir, quando na realidade não pode, ou então aquele que promete apenas por prometer, quase que como um vício, uma incapacidade de se manter calado, quando no fundo, sabe que nunca cumprirá com o prometido.

Em época de eleição, o vírus se espalha com uma velocidade impressionante (ativistas adeptos do uso de armas químicas deveriam realmente estudar o sistema de propagação dessa doença). De uma hora para a outra, temos centenas de candidatos prometendo as coisas mais absurdas, além de umas certas possíveis também, a tudo e a todos. “Prometo acabar com a fome, prometo bater o analfabetismo, prometo elevar o salário mínimo a mil reais”. Tem coisas que você gostaria muito de acreditar, tem umas que você até se força a acreditar para poder escolher algum deles. Agora tem outras, que dói só de ouvir. E o pior, os safados sabem que estão prometendo calúnias absurdas e nem assim tem as faces rosadas de vergonha. Não sei se é porque eles realmente acreditam no que dizem ou se isso é apenas um sinal da Síndrome do Eu Prometo em estado avançado (estudiosos, por favor me ajudem). O fato é que eles só fazem prometer.

Tirando os políticos, principais propagadores e intoxicados pelos vírus, temos ainda os seres humanos normais que hora ou outra são afetados por alguns dos sintomas. A virada do ano oferece um ambiente extremamente propício para a proliferação desses casos. É a Síndrome do Eu Prometo aliada às resoluções do ano novo. “Prometo passar mais tempo com a minha família”, “prometo fazer trabalho voluntário”, “prometo parar de comprar coisas que eu não preciso”. Milhares de promessas, infinitos votos de coisas que sabemos que, ao longo do ano, muito pouco conseguiremos cumprir. Mas é simplesmente impossível não prometer pelo menos uma coisinha. É uma vontade incontrolável, maior do que você.

Não podemos esquecer também das promessas dos relacionamentos. “Prometo te amar para sempre”, “prometo nunca te esquecer”, “prometo que não vou me atrasar”, “prometo que esse final de semana a gente se vê”, “prometo que vou mudar”, “prometo que nunca mais vou reclamar disso”. E mais uma lista infinita deles. Aliás, alguém pode me explicar a função dos votos do matrimônio? O que é aquilo? “Prometo te amar para sempre, na riqueza e na pobreza, na saúde e na doença, na felicidade e na tristeza e blah blah blah até que a morte nos separe”? O que é isso? No momento que o sujeito está dizendo aquilo já está pensando “será que eu vou conseguir cumprir tudo isso?” “será que eu conseguirei amá-la/o da mesma maneira daqui há 50 anos, quando ela/e estiver toda/o enrugada/o, caída/o, mal humorada/o e pouco se lembrar de mim?” Sem querer ofender os mais românticos, mas os votos do casamento estão com os dias contados. O número de divórcios já provou que, hoje em dia, eles são apenas mais uma parte do protocolo a ser encenada, sem muito comprometimento em ser seguida. Burocracias da vida a dois. Afinal, o casal promete, na frente de um juiz (civil ou religioso), que vai se amar e se respeitar pelo resto de suas vidas, mas com a segurança de que a constituição já permite o divórcio e ainda garante a integridade de ambas as partes caso o processo venha a ocorrer.

A verdade é que, desde tenra idade, o ser humano vai encubando o seu vírus do Eu Prometo. Em alguns, a síndrome começa a se manifestar mais cedo. Em outros, mais tarde. As vezes, o processo todo tem início naturalmente, como se fosse uma evolução normal durante o crescimento e formação do caráter. Outras vezes, o estopim do fenômeno tem suas bases em algum evento traumático, algo que deveria acontecer e não aconteceu, gerando uma ânsia de vingança baseada em prometer e não cumprir. Não importa qual seja a origem. O importante é que, desde que o mundo é mundo, a Síndrome do Eu Prometo vem ajudando a erguer impérios, destruir nações, gerar expectativas, implodir confianças e, principalmente, nos provar que o ser humano ideal simplesmente não existe.

terça-feira, agosto 29, 2006

Sem licença (poética) para metáforas - uma história de café, que parece chá, mas é café

Sem querer ofender ninguém, odeio gente que só fala em metáforas. Eu mesma, vez ou outra, uso uma metáforas aqui e ali para explicar alguma coisa, ou deixar o discurso mais poético e cafona também, admito. Mas tem gente que só consegue falar com metáforas, como se a vida fosse uma comparação sem fim, um eterno ser e não ser, parecer e querer sem saber e ah...

Tipo aquele discurso, “na minha vida, me deparei com muitos obstáculos, mas consegui superar todos eles. Alguns eu circundei, outros eu escalei, mas nenhuma deles me impediu de continuar a minha jornada pela estrada da vida”. Juro, precisa de tudo isso? Porque não dizer logo que levou um fora da namorada, foi demitido do emprego e ainda tomou um puta tombo na rua, no sentido real da palavra, nada de literalidade nesse momento e, mesmo assim, ainda está vivo, feliz (as vezes nem tanto) e respirando (as vezes com dificuldade).

E aquela história do copo está meio cheio ou meio vazio? Foda-se! O copo tem metade do seu volume de água e pronto. Se está meio cheio ou meio vazio, pouca diferença faz. Tem menos água e não mata a minha sede, é isso que importa (adeptos mais fervorosos das teorias psicológicas, nesse momento, dirão que eu preciso de muita água para matar a minha sede, que isso pode simbolizar uma eterna sensação de insaciabilidade frente à vida, um total vazio, um ser que nunca está completo porque nunca tem o que acredita ser o suficiente para preenchê-lo).

À merda com tudo isso. Simplesmente não me convence. Metáfora na poesia tudo bem, foi criada para isso. Metáfora na prosa, tudo bem também, enriquece o discurso. Metáfora na vida real, ok, uma aqui e outra ali, tudo bem. Agora, metáfora na mesa do bar, simplesmente não dá. Metáfora em conselhos ou teorias mirabolantes são altamente irritantes. Para que ficar cheio de rodeios, cheio de palavras complicadas e associações sem sentido se o que se tem para dizer é tão óbvio e objetivo?

A metáfora é uma figura de linguagem criada para enriquecer o discurso, para oferecer uma visão mais poética da realidade. Entretanto, usada no dia-a-dia para as coisas mais banais do mundo, só empobrece a alma. Dinâmicas de grupo. Irritantes, pedantes e cheias de metáforas. “Este rio aqui (e o ser humano aponta para o meio da sala onde você tem que imaginar que existe um rio, quando a única coisa que você consegue ver é o carpete sujo e algumas migalhas) simboliza a sua vida”. Nesse momento, o cara já elevou a metáfora ao quadrado. Primeiro por sugerir que o espaço entre as duas extremidades da sala é um rio e segundo por afirmar que tal rio é a vida de alguém. “Agora, você vai ter que cruzar esse rio e chegar até o outro lado. Como você faria isso?” Aí tem neguinho que vai a nado, outro em bote salva vidas, tem gente que mergulha de cabeça, outros com bóia de patinho, tudo isso figurativamente falando, é claro, porque você tem que IMAGINAR a coisa toda. Aí, passado o grande mico, vêm as grandes conclusões. Fulano que usou bóia de borracha é imaturo, cicrano que mergulhou de cabeça é muito atirado, pode ser perigoso e blah blah blah.

A pergunta é: Precisa de tanto? Diz para mim! Precisa de tanto? Eu adoro análises psicológicas, acho a maioria das teorias as mais corretas possíveis, afinal, o ser humano é absurdamente subjetivo e não podemos objetivar e racionalizar todas as suas ações e reações. Mas certas coisas simplesmente significam certas coisas e nada além disso. Não adianta querer traçar teorias mirabolantes ou interpretar o não-interpretável. Esse acúmulo de prepotência, de sabedoria difícil simplesmente não chega a lugar nenhum.

É nessas horas que eu me pergunto, onde esse mundo vai parar? Metaforicamente falando, é claro. Porque objetivamente falando, esse mundo pode parar em qualquer lugar. Nessa galáxia, na outra, numa grande explosão. Mas enquanto existir a metáfora, nunca pensaremos nessa assunto como um fim próximo, apenas como mais um estágio para a evolução.

E eu atravesso a rua para chegar do outro lado – uma história de chá, involuntário

Sabe aquele tipo de reação que é tão automática que você nem sente mais que reagiu? Quase como um reflexo. Mas um ato reflexo que é só seu, personalizado. Todo mundo tira a mão de algo muito quente ou muito frio por reflexo, mas tem certas atitudes que a gente cria e que acabam virando nossas reações com assinatura, atos ou pensamentos bem característicos, como esses ratinhos de laboratório que acabam desenvolvendo comportamentos específicos para cada tipo de desafio que alguém os impõe.

Bem, outro dia, eu reparei em um desses atos reflexos que é só meu, ou até agora eu achava que era só meu. Coisa de gente estranha mesmo. Toda vez que eu atravesso a rua, quando meu pé encosta na calçada, não consigo evitar de me sentir salva (pisai na calçada e sentir-se-á salva, irmã!). É sério. É como se fosse um jogo. Tem um carro vindo da esquerda, outro da direita. Eu tenho que passar de um lado seguro até o outro, cruzando o campo de guerra, o ambiente desconhecido e ameaçador. Para isso, me são oferecidos poucos segundos. E nesses poucos segundos, preciso calcular a velocidade com que devo impor meus passos, para não colidir com os corpos que se aproximam simultaneamente a certa velocidade estável ou variável. Todos aqueles conceitos de física que a gente sempre aplica quase que por instinto e nunca percebe, ou percebe e finge que não, só para ter uma desculpa para ir mal na prova... física é para louco mesmo.

Bom, então eu estou lá, de um lado da rua, precisando chegar ao aposto. Calculo a velocidade da aceleração, olho para um lado e para o outro pela última vez. Visualizo o alvo, o outro lado da rua, respiro fundo e dou a largada. As vezes, tenho até que dar um daqueles pulinhos estúpidos para adquirir impulso e terminar a prova em menos tempo, afinal, os carros continuam vindo na minha direção. Mantendo o ritmo e a mira fixa no meu objetivo, enfrento o território inimigo até chegar em terras seguras novamente. Nesse instante, assim que todo meu corpo está finalmente a salvo na outra calçada, eu sinto como que um alívio, algo como a satisfação de uma meta cumprida, sem contar que eu venci o inimigo que vinha a toda velocidade ao meu encalço. É uma sensação que dura milionésimos de segundo, mas que não consigo evitar de sentir. Na maioria das vezes, é tão involuntário, que eu nem reparo. Mas outro dia ficou tão evidente, que eu resolvi escrever sobre o assunto, porque não sei se é tão normal assim.

É como passar de fase num vídeo game, ou ganhar uma extra vida. Aquela sensação de alívio que fica ainda mais evidente quando eu ouço o barulho do carro passando atrás de mim logo em seguida à pisada na calcada. Algo como: “Hehehe, viu só? Eu ganhei! Cheguei até a zona de segurança antes de você me alcançar, eu sou muito melhor!” Sei que é estúpido, que não faz sentido algum e é difícil de acreditar, mas eu não consigo não fazer isso. Tudo dura tão pouco tempo que, na maioria das vezes, quando estou pensando em algo mais importante, nem reparo na ocorrência do ciclo. Mas certas vezes, quando não estou pensando em nada e isso é raro, me dou conta desse ato estúpido, mas sempre ajo como se isso fosse a coisa mais normal do mundo. Até que outro dia, achei que podia não ser tão natural assim.

Não que eu tenha algum medo ou trauma de atravessar a rua. Nunca nada de realmente ruim me aconteceu. Não tenho uma crise de pânico toda vez que tenho que trocar de lado e ando muito a pé para ficar criando caso com esse tipo de coisa. O problema é que sabe lá porque e sabe lá de onde eu desenvolvi esse mecanismo e por mais inútil que seja, por menos sentido que faça, não me atrapalha em nada, muito pelo contrario, até me diverte. Porque se a minha mente estranha foi capaz de criar esse ato resposta tão bizarro para o movimento de atravessar a rua, que outras coisas ela já não inventou ou seria capaz de inventar e que fazem tão parte de mim que eu nem percebo?

segunda-feira, agosto 28, 2006

Paulistana sim e daí? – uma história de café, com fumaça

Talvez eu seja uma das poucas paulistanas, ou paulistanos que acredita que andar na Avenida Paulista é terapêutico. Ok, talvez eu seja apenas mais uma das milhares de pessoas que acham isso, nada especial, admito. Mas o fato é que eu sou uma paulistana típica e por pior que pareça, adoro isso.

Tá, não gosto de perder grande parte do meu dia no trânsito, muito menos me intoxicar com a poluição da cidade, mas quando você aprende a conviver com os defeitos daquele que ama, a vida se torna mais fácil.

Outro dia, à noite, eu desci na Consolação e ia até a Casa das Rosas, que fica simplesmente no fim da Paulista. Obviamente, eu poderia fazer todo o trajeto de ônibus ou metrô, mas resolvi fazer a pé mesmo. Assim, terapêutico. Não estava com pressa, portanto não precisava correr, mas como toda boa paulistana, não consigo simplesmente caminhar a passeio. Há que imprimir um ritmo mais cheio de energia e determinação quando se anda pelas ruas de São Paulo, ainda mais na Paulista. Fui andando no meu ritmo e observando o resto à minha volta. Impressionante como você sempre descobre algo novo. As antenas de telefonia e rádio iluminadas. Os prédios, residenciais ou de escritório, num paredão sem fim, um ao lado do outro. As pessoas passando apressadas ou despreocupadas ao meu redor.

Acho que demorei uma meia hora no trajeto todo, mas nem senti o tempo passar. Fui reparando no jeito de vestir, no jeito de andar dos transeuntes. Tentando imaginar de onde estariam vindo, para onde estariam indo, se eram daqui ou de longe, se gostavam de estar ali ou não. Pessoas nos barzinhos bebendo e conversando animadas, vendedores ambulantes oferecendo toda sorte de comes e bebes, bem como diversos artistas anônimos vendendo de colar de sementes a pequenas esculturas de arame.

A Paulista também me agrada porque é plana. Uma reta só. Calçadas largas, faixas de trânsito largas, o Masp, o vão do Masp, o prédio da Fiesp, da Gazeta, do Conjunto Nacional. A Casa das Rosas, o Itaú Cultural e as milhares de outras atrações pequenas ou grandes, bares, botecos, cafés, restaurantes, lojas e o, para mim sombrio, parque do Trianon.

É impossível falar pouco sobre essa avenida. Como falar muito também pode soar extremamente enfadonho. A verdade é que, como toda boa paulistana, eu sou sofro de alguns males típicos. Aquela urgência de fazer tudo o que a cidade tem para oferecer, aquela sensação de estar sempre perdendo tempo, ou perdendo algo melhor. Aquela impaciência, aquela incapacidade de sentar e apenas observar o tempo passar. E talvez seja por isso mesmo que a Avenida Paulista me agrade tanto, porque ela consegue reunir tudo isso. A pressa dos executivos com a admiração dos turistas, a crueldade dos bancos com a sensibilidade dos espaços culturais, os mais diversos modos de vestir, de falar e pentear o cabelo. E o mais importante, a sensação de pertencer. Porque entre as hordas de pedestres que cruzam a avenida incontáveis vezes de dia ou de noite, você pode ter certeza que todos compartilham desse acúmulo de tudo e mais um pouco que é viver em São Paulo.

quinta-feira, agosto 24, 2006

Na próxima encarnação, eu quero ser bicha – uma história de chá, de flores

Está decidido. Na minha próxima encarnação eu quero nascer homem e virar gay. Como na última encarnação eu já fui planta (não que isso faça alguma diferença na próxima encarnação) e nessa eu sou mulher, na outra, eu quero ser veado.

Mas nada de ser uma daquelas bichas-nojentas-insuportáveis-aparecidas e que só gostam de dar escândalo e chamar atenção. Serei uma bicha com estilo. Nada de andar como se eu estivesse segurando uma revista entre os joelhos ou dar piscadelas longas ou levantar o dedinho mindinho para tudo. Também nada de falar fino ou cantando. Não, eu não serei um homem-homem, simplesmente não serei nenhuma bicha boba e sem appeal. Vou me vestir suuuuuuper bem, ter alguns trejeitos na fala e nos gestos, mas só por charme, nada exagerado, nada caricaturado. Veados que são mulheres caricaturadas simplesmente não me convencem.

E é claro que eu teria que fazer algumas aparições montada. Drag Queen total! Acho o máaaaaaaximo toda aquela produção. A maquiagem super exagerada, quase uma máscara, as perucas, a plataforma gi-gan-te, as plumas, o gliter e os paetês! Simplesmente um luxo! (perceba que eu já começo a encarnar o personagem).

Aí você se pergunta (muito boa pergunta no caso), se ela já é mulher, para que quer nascer homem para virar mulher de novo e ainda ter que correr o risco de viver uma infância traumática, uma adolescência perturbada e ser menosprezada e/ou discriminada e até ofendida pela sociedade na vida adulta? É simples, eu quero todas as facilidades de ser homem, com todo o glamour de ser mulher.

Mijar de pé, por exemplo. Quer maior comodidade do que isso? Poder fazer xixi em qualquer lugar. Ser naturalmente mais forte e ter menos gordura no corpo. Emagrecer mais rápido e enrijecer os músculos com maior facilidade também. Obviamente, teria que superar os problemas com os pelos do corpo e do rosto, mas para quem já está acostumada com depilação a cera, eliminá-los será apenas um passo a mais.

E tem também o fato óbvio de que eu continuaria me apaixonando (inutilmente) por homens. De repente eu até devesse tentar uma mulher, pelo fato de estar relativamente fácil na minha futura posição, mas invariavelmente eu retornaria aos homens. Mulher é um bicho besta.

Iria adorar ficar mudando o penteado do meu cabelo (não que eu não faça isso hoje em dia) e ia ser divertido aparecer fantasiada de homem só por diversão. Terno, gravata sapato, andar de John Wayne. Invariavelmente, eu teria que me acostumar com o novo corpo, mas a gente se acostuma com tudo nessa vida, ou na outra. Sem contar que eu teria váaaaarias amigas meninas, talvez alguns amigos homens, heteros, é claro, e uma porção de amigos veados como eu. Para falar mal, para fazer compras, para ir a festas, para dar risada, para fazer nada, para tudo.

É, no fim das contas, eu acho que continuaria sendo muito mais mulher do que homem. Mas tudo bem, na encarnação seguinte, provavelmente vou tentar ser algo mais inspirador, tipo um cachorro.

quarta-feira, agosto 23, 2006

Abrir gavetas e a geladeira: uma experiência metafísica – uma história de chá, do chapeleiro maluco

Você já se pegou fazendo coisas improváveis só porque sua mente estava num lugar e seu corpo no outro? Deixa eu explicar. Coisas estúpidas, ações sem sentido que você faz quando quer pensar, ter idéias, resolver problemas, clarear a mente. Hum, você não é tão louco assim? Receio que sou...

Vira e mexe me pego abrindo as gavetas, o armário, a geladeira, sem motivo algum. Não quero nada que está dentro de nenhum deles. Simplesmente abro, olho seus conteúdos, sem na realidade ver coisa alguma e depois me dou conta do que estou fazendo e fecho tudo de novo. Normalmente, isso acontece quando meu corpo está lá, naquele ponto, mas a minha cabeça está longe, longe. Faço isso quando preciso ter alguma idéia, achar a solução para algum problema e todas as táticas habituais já se encerraram. Estou encurralada, em um canto, sem ter para onde correr, nenhuma linha de raciocínio sobrando para usar. Então, eu recorro aos meus escapismos naturais. Portas, janelas e o meu preferido, fazer xixi. Tá, parece escatológico, mas não é. Juro. É só sentar no trono e parece que o líquido que sai, deixa espaço para que as sinapses ocorram de modo mais ordenado. Sempre volto com alguma idéia. Pode não ser a idéia do século, ou a solução para todos os problemas do mundo, mas já dá para adiantar um pouco o que quer que eu esteja fazendo.

As vezes, também é bom folhear um livro. Uma revista cheia de figuras é incrivelmente melhor. Outras vezes, mexer no celular, por nada. Beber água, andar no corredor... essas coisas sem explicação, mas que mudam a gente.

Não sei, acho que quanto mais você olha para o problema, menos você vê a solução. É preciso se distanciar, olhar de longe, para enxergar o que está acontecendo. Porque quando grudamos o nariz na folha de papel, é impossível ler o que está escrito. Só tomando a distância correta, é possível colocar sentido naquele monte de tracinhos dispostos aparentemente de modo tão aleatório, mas que na realidade, fazem todo o sentido do mundo.

A mesma coisa que estar num museu, olhando aqueles painéis bem de perto. Você pode até perceber alguns detalhes interessantes, olhar a direção das pinceladas, reconhecer a técnica utilizada pelo artista, mas apenas dando alguns passos para trás, é que você consegue ter a noção correta das dimensões da obra, de seu contexto, de sua importância, de sua mensagem.

Por isso, fica aqui o meu total e inegável apoio às atitudes incoerentes, aleatórias, sem explicação e fundamentais para o desenvolvimento de qualquer coisa e coisa alguma do ser humano.

Eu fui uma planta na última encarnação – uma história de chá, verde

Acredito ter sido uma planta na última encarnação. Isto porque não importa qual seja o problema que me aflige, eu sempre me sinto melhor depois de uma exposição a luz solar. Males do corpo ou da alma, não importa. A mim, tudo o sol cura. Um santo remédio. Sem contar o poder que tal estrela incandescente tem na variação do meu humor. Com sol, bom humor, as vezes radiante. Sem sol, melancólica, introspectiva.

Acredito que esse lance do humor ocorra com muita gente. É até caso provado, comprovado pela ciência. Em países onde o sol brilha em menor intensidade, as pessoas passam menos tempo vadiando e mais tempo trabalhando, porque não tem motivação para ficar pelas ruas, largadas, curtindo o dia. Uma comparação estúpida, mas válida. Brasil e Espanha. O norte do Brasil é muito quente, o sul nem tanto. Na Espanha, ocorre o contrário. Enquanto aqui, as pessoas que vivem na parte norte são tachadas de preguiçosas, lentas, relaxadas, festivas e mais alegres (ligação direta e incontestável com o calor que faz nessa região), na Espanha, é exatamente o oposto. O sul, mais quente devido a sua posição geográfica, é a terra do Flamenco, das festas, do calor, do sol, da alegria, das siestas mais longas e da preguiça. Tudo por culpa do sol, é obvio.

Mas se o sol causa essa entorpecência boa em todos, ou quase todos os habitantes da Terra, porque só eu tenho que ter sido uma planta na encarnação passada? Não sei. Simplesmente me agrada a idéia de ter sido uma. Alguns dizem que deve ter sido chato nascer e morrer no mesmo lugar, ter raízes fixas, mas sei lá, não gosto de pensar tão limitadamente. Eu posso ter sido um pinheiro de natal, ou uma violeta que enfeitava uma casa, ou várias, ou um Jequitibá enorme no meio da mata fechada. Posso ter sido uma orquídea e florescido apenas uma vez por ano, ou posso ter sido uma parreira e me espalhado por todos os lados. Também posso ter sido alguma planta alucinógena, um cacto, algum psicotrópico e ter participado de alguma viagem deveras interessante.

Não dá para dizer que a vida teria sido monótona. Talvez não fosse o seu ideal, mas com sol suficiente, ou melhor, mais do que o suficiente, tenho certeza de que eu seria muito feliz. É só fazer um dia bonito de sol que eu não consigo ficar parada na minha cadeira no escritório. Levanto toda hora para olhar pela janela, movo a cadeira para onde tem uma nesguinha de luz solar. Fico admirando o céu azul, o contraste com as folhas verdinhas das árvores e suas flores vermelhas, rosas, amarelas, brancas. E fico procurando sentir o calor do sol.

Adoro o sol no seu nascente, tímido e promissor. Adoro o sol ao meio dia, toda a sua intensidade bem acima de todas as cabeças trazendo uma tarde cheia de bons sentimentos. Adoro o pôr do sol pela sua beleza, apesar de me entristecer com sua ida. Eu amo o sol, acredito até que, com algum esforço, eu comece a fazer fotossíntese de novo. Eu realmente devo ter sido uma planta na última encarnação.

terça-feira, agosto 22, 2006

Mulheres que pensam demais, uni-vos! – uma história de café com essência de baunilha

É de sabedoria feminina popular que todo homem que presta está namorando ou é gay. Entenda-se “homem que presta” por todo ser humano do sexto masculino que seja minimamente educado, atencioso, fiel, sincero, com bom gosto para se vestir, para as artes, música e cultura, com senso de humor, sensibilidade, inteligência, caráter, integridade, boa vontade, disposição e um toque de perspicácia. Antes que alguém me xingue, quero deixar claro que pontuei o inicio da sentença com o adjunto adverbial de modo “minimamente” para marcar que, apesar de tantos adjetivos, o que exigimos de todos eles é muito, muito pouco, porque temos a consciência de que um homem dotado de todos esses atributos em abundância, simplesmente não existe.

Bom, é de conhecimento popular afirmar que tal homem não existe, ou se existe, está namorando, é gay, ou então esconde algum defeito sórdido, tipo gosta de se vestir de mulher quando ninguém está vendo, ou gosta de apanhar, ou ainda gosta de ser chamado de papai ou Verônica, coisas assim. O importante é que as mulheres (não, de maneira nenhuma eu me incluo fora dessa) simplesmente não conseguem imaginar um homem quase-perfeito dando sopa no mercado. Porque venhamos e convenhamos, por mais que as mulheres estejam por aí gritando aos quatro cantos o quão independente elas são, trabalhando, sustentando famílias, comprando vibradores, saindo sozinhas, pagando as contas, trocando lâmpadas pneus e filosofias de vidas, elas ainda dependem do carinho, afeto e, principalmente, suporte do sexo oposto.

Não importa quão marionete ele seja. O importante é tê-lo, desfilar por aí, mostrar para as amigas, ou então simplesmente fingir-se de indefesa (segredo: tem umas que realmente não fingem, o são!) para ser protegida, cuidada, abraçada e envolvida em porções e mais porções de músculos e testosterona. Não adianta, a grande maioria de nós não consegue evitar e sempre volta à caça do homem reduzidamente ideal, para depois de um curto tempo se dar conta de que ele não existe e começar a reclamar e gritar que homem nenhum presta, ou se presta está namorando e blah, blah, blah.

Antes que esse discurso fique exagerado demais, venho aqui anunciar que meu objetivo no momento é mostrar que a teoria anteriormente exposta é falha, por mais que eu a compartilhe e baseie todas as minhas opiniões no assunto segundo a própria, tenho que admitir que ela carrega vãos, as vezes enormes.

Veja bem, antes de começar a namorar, o já citado homem que minimamente presta estava solteiro no meio da grande maioria, o que o incluiria no grupo dos que não prestam, porque afinal, os que prestam estão namorando ou são gays. Mas para namorar, é preciso estar solteiro e para estar solteiro, ou se é um galinha-incorrigível-cafajeste-filho-da-puta (um pouco da experiência e emoções pessoais, desculpe) ou se é um cara minimamente aceitável que só está misturado às maçãs podres a espera de ser escolhido (sim, desculpe rapazes, mas somos nós que escolhemos vocês, apesar de atribuírem essa tarefa ao seus corpos, cabeças ou quantidade de álcool no sangue ou sangue no álcool, como preferirem).

Visualizem a situação. Está lá, o único cara que presta, no meio daquele monte de homens de duas caras, sete olhos e nove braços e você, mulher, já dotada de sua natural habilidade de se enganar, se convence de que todos eles são farinha do mesmo saco, fala mal de todos o tempo todo e termina a noite com o pior deles, é claro, para no dia seguinte, poder praguejar mais uma vez para suas amigas sobre as mazelas da condição feminina na sociedade atual, etc e etc.

Aí, você descobre que aquela amiga sua, que na realidade nem é tão amiga assim, (no íntimo você acha ela uma chata-vagabunda-hipócrita-irritante, só não gosta de admitir), está namorando o único ser humano do sexo masculino que prestava daquele grupinho. Mas é claro, todos os bons já foram escolhidos, para você restou apenas as maçãs podres. Bem, se você está pensando assim agora, é porque não entendeu onde eu quero chegar. Calma, também não vou defender homem nenhum não, mas a verdade é que, enquanto a gente passa o tempo todo reclamando disso, daquilo e daquilo outro e traçando milhares e milhares de teorias para explicar nossos medos e frustrações, aquelas amigas, que nem são tão amigas assim, mas não ficam tanto tempo debatendo literalmente o sexo dos anjos, acham sabe lá os deuses como (deve existir um radar ou coisa parecida) a única bala comível do pacote, enquanto o resto das mortais fica aqui reclamando da vida e chupando o dedo.

Por isso eu clamo: Mulheres-que-pensam-demais, uni-vos, demos um basta a esta palhaçada toda, uns bons shots de tequila e hemos de encontrar ao menos um passatempo que preste nesse mundo!

Trabalho para quê? – uma história de chá, de boldo

O ser humano dito produtivo para a sociedade trabalha cerca de um terço do tempo total de sua vida. Considerando o sono de 8 horas por noite, (um terço do dia) e a carga horária padrão de trabalho de 8 horas por dia, (sem esquecer, obviamente, que fora do mundo ideal, as pessoas trabalham 10, 12, 14 horas, finais de semana, madrugadas e horários de almoço, porque afinal, o mundo não pára e tempo é dinheiro), ou seja outro terço, restaria-nos ainda 8 horas para total desfrute do ócio e próprio prazer. Restaria-nos porque sabemos que, na realidade, essas 8 horas que faltam são gastas entre acordar, se arrumar, tomar café enfrentar o trânsito matinal, almoçar, se aventurar no trânsito de volta para casa, jantar e voltar a dormir, não necessariamente as tais 8 horas propostas anteriormente.

Ou seja, a única coisa que fazemos é trabalhar. Agora, que existência ínfima é essa onde a nossa atividade majoritária é executar algo nem sempre muito prazerosa a fim de receber alguma remuneração depois de um determinado tempo? Não tinha um jeito mais fácil de todo mundo ser feliz? Não seria mais fácil se as pessoas simplesmente passassem os dias tomando sol, pulando na piscina, conversando com aqueles que se ama e vendo o tempo passar? Suponho que não.

Desde a antiguidade, o homem necessita se sentir útil, saber qual é a sua função nesse planeta para justificar sua inexplicável existência. Antes, o trabalho do homem era caçar, prover o alimento e proteger a família, enquanto a mulher cuidava da casa e das crias. Até que um belo dia, alguém inventou a terceirização, devo ressaltar aqui, uma solução simples, óbvia e por mim muito admirada. Ou seja, esse alguém, tomando conhecimento de sua inteligência e sabedoria, percebeu a quantidade de tempo que estava desperdiçando com as banais atividades cotidianas e resolveu oferecer algo em troca para que alguém fizesse tais serviços por ele, enquanto poderia aproveitar as facilidades da vida a seu gosto. Assim, o contratado dependia do contratante e o contratante podia obrigá-lo a fazer o que quisesse, mediante pagamento no final do mês. Criava-se então o emprego, o empregador e o empregado.

Obviamente, a continuação dessa história é longa, mas todo mundo conhece as linhas gerais, escravidão, servidão, feudalismo, mercantilismo, capitalismo, comunismo e blah blah blah. O importante aqui não é o sistema adotado para a exploração do laboro humano e sim, o fato de que aconteça o que acontecer, nós simplesmente não conseguimos ficar sem trabalhar, sem afirmar a nossa importância no girar do globo, contribuindo para sei lá o quê.

Você coloca 10 pessoas numa ilha deserta, logo cada uma delas vai assumir um papel, uma delas vai liderar, as outras obedecer, uma discordar, mas todas vão arranjar algo para trabalhar. Seja um plano de fuga, a construção de uma casa, turnos para pesca e caça, o que quer que seja. Ninguém iria simplesmente sentar e esperar o tempo passar. Porque afinal, há que se fazer algo para sentir que o tempo passa e que a recompensa virá, seja ela em forma de fim de semana, comida gostosa ou bote salva vidas.

Apenas respondemos a instintos. Não sabemos o que viemos fazer aqui. Trabalhamos para tornar essa existência mais cômoda e ocupar nossas mentes. Nos recompensamos com distrações culturais, artísticas e gastronômicas e exploramos os inferiores como forma de afirmar nossa inerente superioridade não importa quão minúsculos sejamos.

quinta-feira, agosto 17, 2006

E tudo começou em Plutão – uma história de chá, cósmico

Outro dia li uma notícia interessante. Recentemente, cientistas descobriram no universo um possível décimo planeta para nosso sistema solar. Trata-se de uma massa congelada e sem vida, maior do que Plutão e que estaria colocando muita dúvida na cabeça de nossos estudiosos. Essa descoberta se enquadra nos critérios definidos para ser um planeta, já que é apenas um aglomerado de matéria morta e gélida? Sendo assim, será que Plutão mereceria ainda ser considerado um planeta, já que não passa de uma versão menor desse enorme cubo de gelo? A dúvida é: o sistema solar passa a ter 10 planetas, ou será reduzido a apenas 8? Mais além: como solucionar esse problema se os cientistas não tem definido quais sãos as características básicas que um pseudo-planeta deve apresentar para ser considerado um planeta? E mais, será que Plutão e esse suposto novo planeta, (o cientista que o descobriu quer chama-lo de Xena, sim em homenagem ao seriado) se importam se são considerados planetas ou não pelos brilhantes cérebros humanos?

Obviamente, não estou aqui para discutir a questão científica do assunto. Se o sistema solar tem 8 ou 10 planetas, isso muito pouca diferença faz no meu próprio mundinho. O que me importa é a questão mais filosófica da coisa. Quem raios somos nós, minúsculos habitantes do então chamado terceiro planeta do sistema solar, que nos achamos muito importantes para sair por aí nomeando coisas e colocando uma suposta ordem no universo.

Ora, o universo é feito do caos. A criação do universo, de onde viria a amada-idolatrada-salve-salve Terra, veio do caos, de uma grande e caótica explosão, desordenada, desorientada, sem sentido, sem começo, sem meio, sem fim. Se o início de tudo, se o pontapé inicial, nasceu de uma imensa zona cósmica, porque os seres humanos teimam em querer colocar ordem nas coisas? Nomes para estrelas, planetas, constelações, sóis, isso aqui é uma lua, aquilo é um anel, mais à frente vemos uma galáxia, aquilo é poeira cósmica, isso é lixo e blah blah blah. Me diga, que diferença faz para Plutão, efetivamente, que os habitantes da Terra o chamam de planeta ou não? A infame massa amorfa e congelada não vai mudar seu curso por causa disso, nem derreter ou se descolar para a próxima dimensão. Simplesmente nós, os humanos, únicos seres vivos dotados de inteligência no nosso sistema, sentiremos o poder da posse, afinal, nomeio aquilo que conheço e isso passa a não ser mais tão desconhecido assim. E o que eu conheço, eu não temo e o que eu não temo, eu domino e o que eu domino, sou automaticamente dono e superior.

Pra que ficar procurando o SENTIDO DA VIDA. Pra que exigir tanta explicação? Tudo isso não passa de um grande medo. Medo do desconhecido, medo daquilo que não se tem compreensão. Porque se você pudesse precisar o sentido da vida, então tudo se encaixaria, teria uma razão, não precisaríamos mais temer o amanhã, ou a morte, ou as catástrofes, afinal, tudo isso faria sentido. E se faz sentido, é porque está certo, não? Pobres animais racionais, tão presos nas suas racionalidades e racionalizações, que nem se dão conta de que as coisas são tão mais simples, tão mais puras. De repente, se a gente não passasse tanto tempo tentando justificar toda e qualquer coisa ou ação, sobraria mais tempo para simplesmente sermos felizes e só.

Frente à grandiosidade do Universo, frente à nossa total incapacidade de sequer imaginar as corretas dimensões de toda essa imensidão galáxia a fora, recorremos ao velho truque do conhecimento. Porque se eu sei algo que ninguém mais sabe, então eu sou melhor. Se eu sei o nome e onde está cada fagulha do universo, ele não me bota medo. Não importa que ele seja infinitamente maior do que eu e que talvez eu não seja o único ser pensante existente. Enquanto eu achar que sou sim e, por conseqüência, souber que apenas EU tenho essa consciência, A CONSCIÊNCIA do que existe no universo, sem que o universo tenha consciência de mim, estarei salvo.

quinta-feira, agosto 10, 2006

E sonho tem cheiro? – uma história de chá, de camomila

Existe sonho com cheiro? Porque eu me lembro de já ter sonhado com cor, em preto e branco, com som, mudo, com pessoas que eu conheço e com outras que eu nunca vi, lugares que eu conheço, outros que eu nunca nem pensei em ir, mas eu não me lembro, uma vez sequer, de ter sonhado com cheiro.

Lembro de uma vez, um dos sonhos mais marcantes da minha vida, em que uma jibóia gigante, amarela diga-se de passagem, tinha enrolado todo o meu corpo e estava prestes a me esmagar e eu gritava e gritava, mas não saia voz alguma. Acordei praticamente gritando também, tamanho era o desespero.

E outra vez em que sonhei com pausa para os comerciais? Calma, o sonho não se interrompia para uma “palavra dos nossos patrocinadores”. Eu simplesmente acordava, lembrava do sonho, fazia xixi ou bebia água e quando eu adormecia, o sonho simplesmente continuava do ponto em que tinha parado! Impressionante! Passei a noite inteira fazendo isso! Mais interrupções do que filme em horário nobre.

E quando você sonha com pessoas que você conhece, lugares que você conhece e todos eles simplesmente não são como deveriam ser? Sua casa não se parece com a sua casa de verdade, nem está no endereço onde deveria estar. Seus amigos ou familiares pensam, falam e agem como seus amigos e familiares de verdade, com a diferença que eles não se parecem em nada com suas lembranças do mundo real. Alguém me explica porque isso acontece?

Incrível é quando você sonha com alguém, principalmente alguém que você não vê há muito tempo e esse encontro é tão real, mas tão real, que quando você acorda, tem a nítida sensação de que aquilo realmente aconteceu.

Quando eu era criança, meus sonhos preferidos eram aqueles em que você está caindo. Sabe aqueles onde você tropeça e cai, ou se joga de uma montanha alta e, antes da queda, você acorda no susto e ainda dá um chutinho? Então, esses mesmos. Morria de medo de tê-los, mas por outro lado, adorava quando eles aconteciam.

Atualmente, me contento quando eu consigo lembrar dos sonhos. Não sei o que acontece, mas raramente eu lembro do que sonhei. Essa semana tive um sonho engraçado. Sonhei que estava numa festa, com praticamente todas as pessoas que conheço, inclusive pessoas que eu vi só uma vez na vida. Cada vez ia aparecendo mais gente. Estávamos numa fazenda eu acho, fazia muito frio, estava todo mundo encapotado, mas só eu estava de vestido, pulando de um lado para outro. Quando eu acordei, parecia tão real... Sei lá, Freud explica.

Mas voltando ao objetivo desse devaneio sem propósito algum, é possível sentir cheiro em um sonho? Meus conhecimentos sobre a anatomia/fisiologia/psicologia humana são muito limitados e eu não faço a mais vaga noção se para isso existe uma resposta científica, ou uma resposta, qualquer que ela seja, mas um simples SIM ou NÃO já me faria muito feliz.

Porque por mais que a minha memória seja excepcionalmente olfativa, não me lembro, uma única vez sequer, em que tive um sonho aromatizado. Tentarei prestar mais atenção daqui para frente. Enquanto isso, se alguém aí souber se isso é possível ou não, por favor, me responda, de repente eu posso tentar ter um desses também.

quarta-feira, agosto 09, 2006

Vida com trilha sonora – uma história de chá, com melodia

A minha vida tem trilha sonora, a de vocês não tem? Eu acordo de manhã cedo e sempre tem uma música tocando na minha cabeça. As vezes não é a música mais agradável do mundo, muitas vezes é alguma música bem irritante, daquelas que grudam, que não param de tocar no rádio e que você ouviu uma única vez e ainda por cima por acaso, já decorou e ela faz parte das suas piores lembranças que vivem vindo à tona.

Bem, tendo acordando e precisando desesperadamente me livrar da música irritante na minha cabeça, eu ligo o itunes. Sim, no computador. Porque é impossível falar de música, atualmente, sem que ela esteja no seu itunes, ipod, mp3 player, ou celular. Os cds são objetos obsoletos e que ocupam espaço demais. E eu que ainda vivi na época das fitas K7 e do vinil... Bom, eu ligo o itunes e escolho uma música. Essa escolha varia muito com o meu humor. Porque apesar de você acordar todo dia, invariavelmente, faça chuva ou faça sol, isso não significa que você acorde sempre se sentindo a mesma coisa. E para mim, isso ainda é mais importante, porque meu humor determina a trilha sonora do dia, que pode ir de total suicida com Portishead, até ultimate gay com George Michael. Bem, depois de selecionada a trilha sonora do banho + café da manhã, eu saio de casa. Não sem antes conectar o fone de ouvido ao meu celular e, desta vez, deixar a escolha da faixa nas mãos do deus do shuffle, (incrível como na maioria das vezes ele consegue adivinhar ou sentir o meu humor). Feito isso, eu finalmente saio de casa.

No trabalho, repito o ritual, ligando automaticamente o itunes. Nunca satisfeita com a minha atual seleção de músicas, mesmo que isso signifique quase 40 gigas de memória dos mais diversos mp3s, eu saio pela internet buscando novas fontes, novas idéias, novos produtores, novos singles, novas faixas. Quando estou sem paciência, tempo, ou motivação para garimpar novos campos, mas mesmo assim não quero ouvir nada que esteja na minha library, recorro a uma quase infinita lista de rádios virtuais, que sempre me fornecem algo de útil e me acalmam até que a monotonia me obrigue a efetivamente procurar algo novo.

Sendo assim, algum tempo depois, munida da devida motivação, saio acessando os sites usuais, que logo me levam a sites estranhos, que me levam a sites mais estranhos ainda até que, esgotada e satisfeita por ter aspirado a mais recente bagagem musical, eu volto a fazer o que estava fazendo, sem antes é claro, selecionar o novo playlist da vez que, provavelmente, no dia seguinte, já não vai me soar tão novo assim, obrigando-me a percorrer todo esse caminho mais uma vez. Não que isso não me agrade, muito pelo contrario.

Tendo finalizado a trilha sonora da manhã, da tarde e já pensando na da noite, eu volto às ruas com meu celular sob a desatenta escolha do meu fiel companheiro shuffle. À noite, você nunca sabe o que pode acontecer. Cinema, amigos, festas, ou simplesmente casa. Não importa. A trilha sonora passa, então, a ser interativa. No cinema, ela depende do bom gosto, inspiração e boa vontade do produtor musical e/ou compositor. No bar/balada/festa, ela depende do dj/coleção de cds/itunes/ipod dos organizadores. E durante o trajeto até qualquer um desses lugares, depende de você, dos seus amigos ou do motorista do táxi/ônibus/etc.

Não importando a fonte, ou qualquer que tenha sido a trilha sonora da noite, para mim é quase impossível chegar em casa e não ligar o computador, baixando o que quer que eu me lembre da seleção tocada onde quer que eu estivesse anteriormente. Sendo ela a trilha sonora de um filme alternativo, ou o novo set de um dj, eu sempre tenho algo novo anotado para fazer download. E lá vou eu, mais uma vez, ligar o computador, o itunes e recomeçar o ciclo, até que o novo dia amanheça.

Ah, para saber um pouco do que rola no meu itunes, entre: http://www.last.fm/user/kelzitha/

A Thought of Darjeeling tea

What is self-pity if not a very stupid way of looking at yourself?

quinta-feira, agosto 03, 2006

Domingo lá em casa – uma história de café, aguado

Domingo você vai almoçar na casa dos seus pais, (bom, pelo menos a minha rotina dominical é assim) e aí, no elevador, você pensa (pelo menos eu penso quando estou no elevador) “meu pai vai perguntar porque eu pintei o cabelo de novo, minha mãe vai perguntar se eu não tenho outro tênis, porque eu continuo andando com esse tênis velho e rasgado e minha vó vai perguntar onde eu estava com a cabeça que resolvi pintar as minhas unhas de vermelho”. Então você sai do elevador, respira fundo, arruma seu cabelo pintado, dá uma olhada no seu tênis rasgado, nas suas unhas vermelhas e pensa consigo mesmo, eles que digam o que quiserem, não entendem nada de estilo.

Você abre a porta e é como se ligasse a TV e estivesse passando um filme antigo, daqueles da sessão da tarde, que você já viu e reviu milhares de vezes, conhece todas as falas (dubladas é claro) de cor e, mesmo assim, não se cansa de se ver. Seu irmão mais novo está esparramado no sofá, seu pai nem pergunta como você está, já vai logo acusando do cabelo, sua mãe reclama do tênis e sua vó, assim que se dá conta do espetáculo, também aproveita a deixa para reclamar das suas unhas, vermelhas de novo, você não tem vergonha mesmo.

Tendo superado a primeira fase, você vai até a cozinha e retoma velhos hábitos. Abre a geladeira, mesmo que não queira pegar nada, só para conferir se tudo ainda está ali, do jeito que você deixou a última vez que morou naquela casa. Destampa cada uma das panelas e dá palpite no menu do almoço e, por fim, pega alguma coisa para comer, qualquer coisa, afinal, a última vez que você ingeriu algo sólido foi há tanto tempo atrás, que você nem consegue marcar com exatidão quando foi isso.

Calmamente, você volta até a sala e prepara-se para a segunda fase, o embate principal, a avalanche de perguntas das quais eles conhecem todas as resposta e você não agüenta mais inventar maneiras diferentes de dizer a mesma coisa. Como vai o trabalho? Bem. E a casa? Bem também. Tem saído? Sim. E daqui para frente, seguem-se as variações do mesmo tema. Onde você foi ontem? Com quem você saiu? Você jantou ontem a noite? Tá se alimentando direito? Tem se agasalhado? Olha que tá frio, heim... Com sorte, aquela sua tia não vai estar em casa também e não vai te perguntar como está o namoradinho, ou porque você não tem um namoradinho. Olha que o tempo tá passando e você já não é tão jovenzinha assim, heim? Sim, tia, eu sei muito bem que eu estou solteira e estou relativamente feliz com isso.

Com sorte e muito jogo de cintura, você consegue se desvencilhar do interrogatório e vai até seu quarto antigo. As coisas ainda permanecem mais ou menos iguais, praticamente no mesmo lugar, o cheiro ainda é o mesmo, mas é como se você não fizesse mais parte de tudo aquilo.

Passado o momento de saudosismo, sua mãe grita e avisa que o almoço está pronto. Feliz, porque a partir desse momento tanto a sua boca, quanto a da sua família vão estar cheias, impossibilitando perguntas inquisidoras ou acusações constrangedoras, você vai saltitante para a mesa a enche o prato de tudo aquilo que você não via há anos, talvez apenas dias, comida feita em casa, no fogão, preparada com carinho.

Depois disso, com a barriga cheia, você disputa com seu irmão um lugar no sofá, enquanto todo o seu sangue deixa seu cérebro, indo em direção ao seu estomago e intestinos, possibilitando que você possa apreciar, com muito gosto, um daqueles típicos programas das tardes dominicais, onde a única coisa que você não precisa é da sua capacidade sináptica.

E aí, quando você vê, o Domingo já era, é hora de voltar à rotina, pensar na segunda feira, na terça e provavelmente no próximo Domingo, quando você vai voltar e eles vão reclamar de novo. Dessa vez, pode ser da sua calça rasgada, do seu cabelo despenteado e, quem sabe, do seu namorado novo.

quarta-feira, agosto 02, 2006

Um comercial para se viver – uma história de café, daqueles cinematográficos

Se você tivesse que escolher um comercial para viver, qual seria? Um comercial de margarina onde todas as pessoas são felizes, tem tempo para longos cafés de manhã e o sol está sempre brilhando?

Ou um comercial de sabão em pó, onde você pode rolar na lama, derrubar molho de tomate na sua camisa e depois um coquetel de óleo e condimentos na família inteira para logo em seguida, mergulhar em uma máquina de lavar e sair mais limpo do que nunca.

Quem sabe um comercial de Coca-Cola. Aquela musiquinha animadinha no fundo, pessoas descoladas posando para a câmera, mas fazendo nada de útil, e super felizes vivendo apenas do maravilhoso liquido preto.

E que tal um comercial do Mcdonald’s? Milhares de sanduíches para comer a qualquer hora, tortinhas, sorvetes e aqueles atendentes educados, atenciosos, aqueles amigos super divertidos e melhor, todo mundo no restaurante parece tão feliz!!!

De repente, um comercial de automóvel... passar o dia inteiro dirigindo sem trânsito algum. Nenhum farol vermelho, a não ser que seja para paquerar algum gatinho, as avenidas limpas, os pedestres comportados, os taxistas presos e os motoristas de ônibus enjaulados.

Mas e um comercial de cerveja? O céu limpo, sem nuvens, você na praia, belos corpos a mostra, o sol brilhando incandescentemente, mas você não está com calor, afinal, está com a sua gelada ali, bem ao alcance das mãos. E as mulheres, que bebem e bebem cerveja e nunca tem barriga? E os homens, que bebem e bebem cerveja e nunca tem bafo?

Eu, pessoalmente, nunca viveria em um comercial de fraldas descartáveis, aquela choradeira de bebê, aquele cheiro de.. de... fralda... melhor mudar de propaganda.

Eu poderia viver em um comercial de chocolate, aquele tonel de chocolate cremoso se derramando na minha frente. Ou então um comercial de sabonete, horas inteiras imersa na banheira.

Existem também os comerciais de cigarro, se bem que, atualmente, eles já perderam a graça, se é que ainda existem. Bons eram os tempos em que fumar estava associado a pessoas praticando esportes radicais, descendo corredeiras, escalando montanhas, desbravando a Antártida e montando cavalos. Hoje em dia, acho que eles nem podem mais aparecer na TV... Pobrezinhos. E eu que adorava a trilha sonora.

Taí um bom lugar para se viver. Um comercial de cigarro, daquele dos anos 80, onde a música era sempre boa, as pessoas pareciam felizes, normais e incrivelmente saudáveis com todos aquele corre, corre, pula, pula, vai e volta e ainda tinham fôlego para tragar sabe-se lá que marca de cigarro depois de tudo isso. Sim, isso sim é que deveria ser vida...

Comerciais de margarina – uma história de café, da manhã é claro!

E se nós vivêssemos permanentemente em um comercial de margarina? Aliás, por que todos os comerciais de margarina tem que ser daquele jeito? Aquela família feliz, sorrindo a torto e a direito, aquela mesa enorme de café da manhã, todo mundo se cumprimentando com um sorriso enorme no rosto, todo mundo sentadinho tomando um farto café da manhã, todos incrivelmente de bom humor e a margarina ainda dá aquela enroladinha na faca e derrete no pão. Que mundo feliz é aquele!?

Imagine que o mundo fosse realmente, efetivamente como em um comercial de margarina. Milhares de pessoas com sorrisos amarelos andando pela rua, se cumprimentando amavelmente. Você vai no borracheiro, não tem graxa em nenhum lugar e o mecânico é super simpático, solícito e ainda te oferece um suco de laranja. Na fila do INSS, velhinhos bem humorados jogam bocha enquanto esperam a vez de serem atendidos por uma bancaria super bem humorada, com um sorriso de brinco a brinco e uma travessa de biscoitinhos amanteigados para oferecer.

No trânsito, as pessoas passeiam calmamente, sem pressa. Não há ultrapassagens bruscas, nada de buzinas, nenhum xingamento. Apenas o doce ronco dos motores e o barulho dos pneus em contato com o asfalto. No trabalho, as pessoas não se aborrecem, os telefones não tocam irritantemente e as impressoras nunca dão pau. Na escola, as crianças não gritam, não brigam no recreio, respeitam a professora e sempre tiram boas notas. Em casa, a família conversa animadamente, os irmãos nunca discutem, os pais nunca discordam e todos assistem felizes a novela das oito tomando leite com biscoitos.

E a vida seria assim, esse dia a dia meia boca, nem bom nem ruim, nada para reclamar, mas também nada para celebrar. Dias ensolarados, mas não muito quentes, pessoas sorrindo, mas não gargalhando, muito menos chorando. Sem muito sal, sem muito açúcar. Constante. Até que um dia, alguém se rebelasse e decidisse que daquele ponto em diante, todos iriam viver como em um comercial de sabão em pó, rolando na lama e depois indo direto para a máquina de lavar.

terça-feira, agosto 01, 2006

A arte de cultivar um vício, ou vários deles – uma história de café e até sobre ele

O que seria de nossas vidas sem os vícios?

Esses deliciosos “malefícios” (a olhos e ouvidos de alguns), que só deixam a vida mais saborosa e fácil de digerir. Um temperinho, um toque de prazer. Sem os vícios, a vida seria chata, linear, igual, entediante. E não venho aqui fazer apologia a nada em especial e sim venho falar, principalmente, desses hábitos cotidianos, desses pequenos malfazeres que nos transformam em seres humanos em comunhão com nossos instintos.

Como os vícios de linguagem, por exemplo, que eu prefiro chamar de toque de personalidade na fala do interlocutor. Que delicia não é ter um vício de linguagem? Uma palavrinha que você repete toda hora, tipo, tipo, TIPO. Ou um superlativo que só você usa, ou um prefixo que você adiciona a certas palavras, ou ainda uma entonação de voz, uma acentuação única e inerente ao seu discurso. Tem coisa mais gostosa do que falar do seu jeito e saber que ele é só seu?

Mas falemos de vícios mais mundanos, como o chá, o café, o cigarro... Você tá lá, em frente o computador. A coisa não anda, não ata nem desata. Aí você recorre, naturalmente, a um dos seus melhores amigos, o café, o cigarro, o chá ou o celular. Há quem, hoje em dia, esteja viciado em mensagens de texto via celular. Manda uma sempre que a ansiedade aperta. Outros preferem ligar para alguém, perguntar do tempo, combinar algo que nunca vai acontecer. A maioria ainda recorre aos vícios mais habituais, café, cigarro, chá. Não necessariamente nessa ordem, mas há quem acredite que uma coisa puxa a outra e é impossível tomar um café sem fumar um cigarro, ou fumar um cigarro sem tomar um café, a não ser que você não fume, é claro. Mas voltando ao ponto inicial, o importante é que, depois do chá-café-cigarro-celular, doravante referido apenas como O Quadrado do C Mágico, toda e qualquer tarefa flui muito melhor. Porque aquela ansiedade, aquela trava, aquele não sei o quê, se dissipou entre um trago e outro, um gole e outro, uma palavra e outra. Vício para alguns, inspiração para outros.

Obviamente, seria impossível escrever qualquer tratado sobre vícios sem citar os supra sumo da lista, os mais amados e, por conseqüência, mais odiados também, as bebidas alcoólicas. Consumidas em 99% das reuniões sociais de adultos e pseudo-adultos ao redor de todo o globo, essas maravilhas da criação humana, presentes em nosso cotidiano desde muito antes da humanidade tomar consciência de que um dia seu consumo seria taxado de vício, (vinho e cerveja são consumidos desde a antiguidade e eram, muitas vezes, considerados alimentos sagrados), são responsáveis pelas recordações mais engraçadas, ou ausência das mesmas, na vida de milhares e milhares de pessoas. Sem contar o fator aglutinador, relaxante e porque não dizer desinibidor de tais bebidas. É muito mais fácil reunir os amigos quando se diz “e tem um monte de cerveja gelada lá em casa”, ou a conversa fica muito melhor quando você sugere “vamos abrir um vinho?” e nada como uma caipirinha para deixar a feijoada incrivelmente mais saborosa.

Responsável por momentos de leveza e bem estar, piadas engraçadíssimas e atitudes mais engraçadas ainda, o vinho, a cerveja, a cachaça, o whisky, a vodka e todas as suas primas, irmãs e conhecidas são brutalmente mal interpretadas quando acusadas de provocar caos e desordem. Quando na realidade, sua função primordial é pura e simplesmente proporcionar momentos agradáveis onde quer que você esteja, com quem quer que você esteja, não importando se a sua situação e também a dos seus, antes do consumo, era boa, ruim ou mais ou menos. O importante é que tudo, em algum momento, fique bem.

Obviamente, o consumo excessivo e irregular não traz conseqüências muito agradáveis, como o consumo excessivo e irregular de qualquer outra coisa não traz também. Tente passar um dia inteiro comendo abacaxi só porque o bendito é rico em vitamina c, é bom para isso, aquilo e aquilo outro. No dia seguinte, você será nada mais nada menos, do que uma afta gigante sem saber o que fazer.

A partir desse ponto da conversa, eu poderia passar páginas e mais páginas descrevendo outros vícios, discutindo sua utilidade na vida do homem moderno ou total futilidade frente as mazelas da realidade mundana e blah blah blah... mas acho que já deu para pegar o espírito da coisa, não? O fato é que os vícios estão aí e são importantes para a manutenção da vida como ela é, apesar de toda a hipocrisia em dizer que eles corroem o caráter e destroem a personalidade. Por isso, venho aqui em defesa deles dizer que sim, vícios são legais e quem não cultiva um, por menor que seja (nem que seja o de usar ditados populares insossos nos momentos mais impróprios) que vá procurar algum.