Chá ou Café?

Chá. Chá preto, chá verde, chá mate, chá de lírio, chá de cogumelo.... para reunir os amigos, para conversar, para viajar... Histórias mais filosóficas, mais sensoriais, mais espirituais, mais... ........................................... Café. Café curto, café longo, café com um pouquinho de leite. Pra acordar, pra deixar ligado, pra tomar rapidinho no balcão. Histórias do dia a dia, teorias de 2 segundos, pirações mais terrenas...

quarta-feira, janeiro 30, 2013

Às voltas – uma história de chá com balanço


Um compasso às vezes erra o passo
Pula o acorde
Cai da clave
Perde o ritmo
Não perde a pose
Abre espacate.

Um compasso às vezes esquece a nota
Dá pirueta
Todo perneta
Tonto de alegria
Numa nota só
Gira em disparate.

Um compasso às vezes pensa grande
É um, é dois
É um monte
E ninguém nota
Quando ele volta
É puro descompasse.

quinta-feira, janeiro 24, 2013

Mogno - uma história de chá, amargo


Era delicado. Era frágil. Era sensível. Carne macia. Aparência aveludada. Tez rosada. Como qualquer outro deveria ser. Cresceu. Esticou. Enrijeceu. Começou a acumular. Acumular cores. Acumular pessoas. Acumular imagens. Acumular sentimentos. Acumular emoções. Acumular alegrias. Acumular descobertas. Acumular decepções.

Folha sobre folha. Camada sobre camada. Não sobre não. A casca foi ficando mais forte. O interior mais protegido. O exterior mais arisco. Menos flexível. Mais repetitivo. Mais resistente. Menos penetrável.

O sol entrava menos. A escuridão crescia mais. A carapaça cada vez mais grossa. Partia-se levemente em algum movimento brusco. Nunca mais repetia tal ousadia. Fechava-se a fenda uma vez mais. Pra nunca mais abrir.

Pouco se mexia. Pouco conseguia. Preso, parado na própria prisão que construíra. Olhava assustado. Lá fora. Não. Proteção. Olhava pra dentro. Pouco via. Não tinha por onde entrar luz. Escuro, úmido. Pequeno. Assustado. Fazia esforço para sentir a pele de novo. A pele macia. Não sentia. Era áspero. Era rígido. Era sólido. Era aço. Era o que se fizera ser.

quarta-feira, janeiro 23, 2013

O isqueiro e o homem moderno – uma história de café, faiscando


Proponho aqui um estudo antropológico e comportamental sobre a escolha da cor do isqueiro na sociedade atual.

Isso, aquele isqueiro-bic que pode ser comprado em qualquer banca, padaria, porta de balada e que, apesar de sua utilidade, é um objeto totalmente descartável. Descartável porque, quando em situações sociais, esse tipo de isqueiro dificilmente volta ao seu ponto inicial, parando acidentalmente no bolso, bolsa, ou mão de outrem.

Entretanto, apesar de ser um bem de pouco apego, ao comprar um isqueiro as pessoas geralmente já sabem que ele será perdido, cedido, ou compartilhado para nunca mais voltar, percebo que rola um carinho na hora da escolha da cor do pequeno aparelho incinerante.

Porém, apesar da atenção, trata-se de uma escolha muito limitada. Primeiro limitada pela gama de opções de cores que nunca é muito grande. Ao escolher a cor de uma camisa, ou a nova tonalidade da parede da cozinha é possível ficar louco com a quantidade de alternativas. Mas para um isqueiro, não.

Você tem a cartela com 5 ou 10 opções de cores. Nada muito criativo como verde-água ou salmão. Todas cores mais básicas. Talvez, inclusive, fosse o caso dos profissionais de moda se atentarem a esse grande filão do mercado. Curadoria para escolher a cor do isqueiro, uma para combinar com cada roupa. Listrado, oncinha, xadrez, com babado, degradê, renda, gola rolê. Enfim, você tem lá uma ou meia dezena de cores, todas básicas, preto no branco, amarelo no verde, vermelho no azul.

Todavia, e agora sim chego no cerne da questão, todavia, essas cores vão se extinguindo. O primeiro que chega tem 10 opções, o segundo, 9, e assim sucessivamente até que alguém tenha apenas duas opções, ou o não-tem-tu-vai-tu-mesmo. Não importa se você odeia amarelo. É o que tem, vai ter que levar mesmo assim. Ou você detesta preto e verde, vai ter que escolher o menos pior.

Claro, isso não muda a vida de ninguém, afinal, o importante aqui é a função do objeto e não a sua roupagem, mas na hora da compra, o atendente sempre pergunta “qual cor?”. O comprador pede a que mais lhe agrada, ou menos desagrada, o que é uma decisão que invariavelmente envolve sentimentos. E como não se chatear, se você odeia marrom, e só tem marrom?

Existem, é claro, também as vezes que você sai com um isqueiro branco e volta com um rosa, ou um rosa e um azul, ou sem nenhum também. O que não faz muita diferença no processo todo de escolher a cor do isqueiro. Seu poder de decisão é, portanto, mínimo. Depende de conjunções interplanetárias, posição das nuvens, sorte, casualidade e um tiquinho assim de intervenção divina.

Desta forma, colocando um fim nesse breve estudo, eu concluo que não é você quem escolhe a cor do seu isqueiro, mas a cor do isqueiro que escolhe você.

sexta-feira, janeiro 11, 2013

A fisiologia do automóvel – uma história de café, selvagem

para ler ouvindo


Todo motorista tem um quê de “senhor volante”.

Lembra aquele desenho do Pateta, o cachorro que fala diferentemente do Pluto, em que ele, um indivíduo pacato, se transforma num neurótico sanguinário ao assumir a direção de um carro?

Então, acho que todo ser humano se transforma no senhor volante quando vai dirigir um automóvel. Até a minha mãe, uma das senhorinhas de mais bom coração que eu conheço, vira outra pessoa quando tem duas toneladas em alta velocidade sob seu controle.

Parece que, ao terem o poder sobre um veículo, as pessoas perdem totalmente a empatia com os pedestres, como se não pertencessem mais à mesma espécie. É como se a pele do motorista se transformasse em fibra de carbono, seu sangue em gasolina e seu cérebro em fumaça.

A armadura de lata que protege, também serve para o ataque e é aqui que vou mais além. Já repararam como o visor do carro se transforma perfeitamente em uma mira? Sim, essas de arma.

O motorista tem sempre um quadro à sua frente, delimitado pelas paredes laterais, superior e inferior do carro. Sua visão nunca é total, sempre parcial. Entretanto, acho que isso não seja uma questão de gestalt, e sim de guerra.

Pode reparar, todo motorista quando vê um pedestre atravessando a via, dá uma acelerada só para dar um sustinho. É simples, o pedestre entra no seu campo de visão, ele ajeita o alvo na mira, engata a marcha ou coloca a bala na agulha, e pisa no acelerador ou aperta o gatilho.

O processo é exatamente o mesmo. Mirar, calcular a velocidade e atirar. O mesmo princípio de diversos joguinhos que qualquer um tem no celular, ou que um soldado tem em mente quando entra no campo de batalha.

Perdoem-me, mas todo motorista é um assassino em potencial. Com uma poderosa arma em mãos, um escudo de toneladas e uma cultura que subsidia todos os seus delírios assassinos, ele se vê no direito e, porque não na obrigação, de eliminar os fracos e os inferiores da sua frente.

Darwin. Apenas os mais fortes sobrevivem. E na selva de pedras, se parar o cimento engole, se correr o louco te atropela.