Enrolação: a prima pobre e renegada da retórica – uma história de chá, torcido
Existem pessoas que podem te convencer de qualquer coisa usando apenas um inegável poder de retórica. Lançam argumentos de forma concatenada, desenham situações verossímeis, apresentam provas e uma linha de raciocínio tão claras, que é simplesmente impossível não concordar com eles independentemente de qual era a sua opinião anterior.
Por outro lado, tem gente que não te convence por apresentar frases claras e objetivas conectadas brilhantemente entre sim. Tem gente que não te convence, e sim, te vence pelo cansaço. Chamo isso de A Técnica da Boa Enrolação. Isso porque o sujeito fala de forma tão confusa, dá tanta volta e, principalmente, tem um jeito de falar, uma dicção, tão enrolada, que uma hora ou outra você acaba concordando, ou porque está absolutamente perdido, ou porque não agüenta mais ouvir a voz perdida do infeliz, ou pela junção dos dois motivos acima e talvez por falta de paciência também.
O fato é que ninguém resiste a um bom argumentador, do mesmo modo que ninguém enfrenta um bom enrolador. O cara não te dá um único argumento digno de respeito mas, mesmo assim, com sua fala arrastada, suas palavras complicadas e seu riso fácil, acaba te levando a concordar, ou pior, a fazer coisas que você um dia achou que seria totalmente incapaz de realizar ou admitir.
Por mais que minha total admiração esteja direcionada àqueles possuidores de excelente retórica, não posso deixar de nutrir um certo respeito, curiosa consideração eu diria, por estes incríveis seres dotados da faculdade da boa enrolação. Admito, não é fácil dobrar alguém mesmo dispondo dos melhores argumentos e da mais coerente linha de raciocínio. Entretanto, essa tarefa se torna ainda muito mais difícil quando você não possui nem argumentos, nem lógica, muito menos dotes de orador para convencer alguém. Eles simplesmente vão vomitando todo tipo de informação naquele jeito meio malandro, embolando as palavras, dando ênfase a fases de efeito ou engolindo palavras complicadas e, o mais importante, não oferecendo nenhuma brecha, não deixando nenhum espaço para que o receptor sequer tenha tempo de pensar sobre o assunto, quanto mais de responder. Fundamental mesmo é confundir o inimigo. Bombardeá-lo de informações, afirmações e, sobretudo, fazer uso de um surpreendente tom de voz inflamado com autoridade. Não importa o que se diga, o importante é se dizer com convicção, com segurança, com certeza de si mesmo. Afinal, se alguém acredita com tanta veemência em alguma coisa, não tem como aquilo não estar certo.
E aí você ouve os maiores absurdos do mundo, que ditos daquela maneira, com tamanha confiança, simplesmente não podem estar errados. As palavras postas juntas não fazem o menor sentido e frente a fala enrolada, você mal entende o que o cidadão está lhe dizendo. Mas sua certeza é tanta, suas afirmações são tão convincentes, seu tom de voz é tão firme e seu modo de falar é tão envolvente, que não lhe resta outra alternativa, senão render-se aos encantos de tal falácia, mesmo que no fim da conversa, você não faça a mais remota idéia do que vocês passaram tanto tempo discutindo e, mesmo assim, possa jurar de pés juntos que aquela é a mais irrevogável verdade que há muito tempo não se ouvia e quiçá, alguém havia tido, até então, coragem de comentar.