Chá ou Café?

Chá. Chá preto, chá verde, chá mate, chá de lírio, chá de cogumelo.... para reunir os amigos, para conversar, para viajar... Histórias mais filosóficas, mais sensoriais, mais espirituais, mais... ........................................... Café. Café curto, café longo, café com um pouquinho de leite. Pra acordar, pra deixar ligado, pra tomar rapidinho no balcão. Histórias do dia a dia, teorias de 2 segundos, pirações mais terrenas...

quinta-feira, setembro 28, 2006

Enrolação: a prima pobre e renegada da retórica – uma história de chá, torcido

Existem pessoas que podem te convencer de qualquer coisa usando apenas um inegável poder de retórica. Lançam argumentos de forma concatenada, desenham situações verossímeis, apresentam provas e uma linha de raciocínio tão claras, que é simplesmente impossível não concordar com eles independentemente de qual era a sua opinião anterior.

Por outro lado, tem gente que não te convence por apresentar frases claras e objetivas conectadas brilhantemente entre sim. Tem gente que não te convence, e sim, te vence pelo cansaço. Chamo isso de A Técnica da Boa Enrolação. Isso porque o sujeito fala de forma tão confusa, dá tanta volta e, principalmente, tem um jeito de falar, uma dicção, tão enrolada, que uma hora ou outra você acaba concordando, ou porque está absolutamente perdido, ou porque não agüenta mais ouvir a voz perdida do infeliz, ou pela junção dos dois motivos acima e talvez por falta de paciência também.

O fato é que ninguém resiste a um bom argumentador, do mesmo modo que ninguém enfrenta um bom enrolador. O cara não te dá um único argumento digno de respeito mas, mesmo assim, com sua fala arrastada, suas palavras complicadas e seu riso fácil, acaba te levando a concordar, ou pior, a fazer coisas que você um dia achou que seria totalmente incapaz de realizar ou admitir.

Por mais que minha total admiração esteja direcionada àqueles possuidores de excelente retórica, não posso deixar de nutrir um certo respeito, curiosa consideração eu diria, por estes incríveis seres dotados da faculdade da boa enrolação. Admito, não é fácil dobrar alguém mesmo dispondo dos melhores argumentos e da mais coerente linha de raciocínio. Entretanto, essa tarefa se torna ainda muito mais difícil quando você não possui nem argumentos, nem lógica, muito menos dotes de orador para convencer alguém. Eles simplesmente vão vomitando todo tipo de informação naquele jeito meio malandro, embolando as palavras, dando ênfase a fases de efeito ou engolindo palavras complicadas e, o mais importante, não oferecendo nenhuma brecha, não deixando nenhum espaço para que o receptor sequer tenha tempo de pensar sobre o assunto, quanto mais de responder. Fundamental mesmo é confundir o inimigo. Bombardeá-lo de informações, afirmações e, sobretudo, fazer uso de um surpreendente tom de voz inflamado com autoridade. Não importa o que se diga, o importante é se dizer com convicção, com segurança, com certeza de si mesmo. Afinal, se alguém acredita com tanta veemência em alguma coisa, não tem como aquilo não estar certo.

E aí você ouve os maiores absurdos do mundo, que ditos daquela maneira, com tamanha confiança, simplesmente não podem estar errados. As palavras postas juntas não fazem o menor sentido e frente a fala enrolada, você mal entende o que o cidadão está lhe dizendo. Mas sua certeza é tanta, suas afirmações são tão convincentes, seu tom de voz é tão firme e seu modo de falar é tão envolvente, que não lhe resta outra alternativa, senão render-se aos encantos de tal falácia, mesmo que no fim da conversa, você não faça a mais remota idéia do que vocês passaram tanto tempo discutindo e, mesmo assim, possa jurar de pés juntos que aquela é a mais irrevogável verdade que há muito tempo não se ouvia e quiçá, alguém havia tido, até então, coragem de comentar.

quinta-feira, setembro 21, 2006

UM – uma história de chá, místico

Apesar de ter sido criada no catolicismo e ter até feito primeira comunhão, eu nunca fui muito religiosa e sempre desconfiei das histórias da Bíblia. Atualmente, acredito que não tenho religião. Acredito numa energia mais forte que nos una, mas não acredito num ser-deus. Gosto de entrar em igrejas para passear e pensar. Elas normalmente me trazem uma paz. Deixo-me perder observando os detalhes da arquitetura, decoração, quadros, estátuas e vitrais, mas dificilmente sento e rezo. Fico ali sentindo a tal energia do lugar, as que tem centenas de anos de existência são mais interessantes para isso.

Essa história toda de energia sempre me pareceu um grande clichê. Nunca falei muito sobre o assunto com ninguém e sempre guardei a maioria desses pensamentos estranhos para mim mesma. Não gosto de discutir religião. Respeito a que os outros escolheram para si, do mesmo modo que quero que respeitem a falta de crença que tenho para mim. Não que eu não acredite em nada, apenas questiono demais as coisas para simplesmente me dedicar a fé pura e cega de um fiel.

Poucas vezes tive contato com essa energia que eu disse acreditar existir. Algo sutil e que eu não consigo exprimir muito bem em palavras. Ontem, lendo um livro, acho que consegui entender no que por assim dizer eu acredito. Talvez eu consiga explicar. Talvez não.

O universo é composto por unidades que trabalham em conjunto e se completam formando algo único, o UM. Cada uma dessas unidades é feita de outras menores e outras, até sua essência mínima. É como se todo o universo fosse um ser vivente como nós, feito de órgãos, músculos e tecidos que, por sua vez, são constituídos por células que, por sua vez, são um organismo vivo em si.

Indo mais além, é como se nós, seres humanos, fossemos estas células que compõem um órgão, tecido ou músculo do universo. Cada um de nós tem uma função, ínfima as vezes, porém uma função essencial para a manutenção do todo. Podemos ser uma mitocôndria, ribossomo ou complexo de Golgi. O importante é saber se relacionar e agir dentro e fora de nossa célula. Fagocitar tudo aquilo que for estranho à nossa natureza e retirar dele o que de melhor se é possível extrair. Absorver por osmose aquilo que nos é oferecido de bom. Devemos também estar atentos aos fatores externos. Aprender a escutar e sentir os estímulos que vêm das outras células. Se produzimos um enzima em demasia, todo o comportamento do órgão que fazemos parte se altera. No caso contrário, se deixamos de produzir algum substrato, a situação também muda.

Somos todos uma parte do todo e apenas quando sentimos isso, quando absorvemos os estímulos e devolvemos o produto de nosso entendimento, é que nos sentimos em harmonia com o resto lá fora e pertencemos a algo maior. É só nesse instante que percebemos nossa importância, a relevância de nossos atos, por menores que sejam, na manutenção do universo. Qualquer ação irá gerar uma reação e alterar todo o conjunto de células que dependem de nós, uma reação que irá reverberar até sua última instância.

Não adianta pensar que somos pequenos demais para importar ou grandes demais para sermos esquecidos. Todos deixamos um legado aqui. E este não precisa ser em forma de algum feito marcante ou diversos descendentes. Cada simples gesto, conversa ou manifestação deixa uma marca, altera o curso e aciona uma seqüência de reações. E apenas por esse fato já deixamos nossa participação gravada na existência.

Para mim, o mais importante não é saber o valor que tenho ou venha a possuir na história da humanidade e sim, aquele sentimento de unidade, de saber estar inserida em algo maior, em conhecer que, no fundo, tudo aqui é parte de um mesmo UM. E aprendendo a ouvir o que as outras partes necessitam e aprendendo a nutrir nossas necessidades com respeito, sinceridade e atenção, podemos viver em paz e felizes. Seguindo esses instintos em conexão com essa energia maior, não tem como as coisas darem errado, porque quando em sintonia, por mais complexo que os processos pareçam, eles sempre se resolvem a si mesmos, pois o organismo maior não pode parar e fazendo parte desse todo, nos beneficiamos da energia em curso.

E essa coisa de procurar o sentido da vida, também não leva a lugar nenhum. Afinal, o que foi, já passou. O que virá, não se sabe como vai ser. E sentido mesmo, nada direito faz. Ninguém sabe se estará aqui amanhã. Então, se algo tem que fazer sentido, que seja isso que você faz agora e é, nesse momento, simplesmente por assim ser.

quarta-feira, setembro 20, 2006

O sentido dessas palavras sem sentido – uma história de chá, metalingüístico

É engraçado como certas palavras significam a mesma coisa, mas muitas vezes são interpretadas de maneira diferente, seja devido ao contexto em que estão inseridas, ou entonação de voz, ou então simplesmente porque tal vocábulo já carrega em si mesmo uma carga semântica muito além de seu sentido conotativo.

Por exemplo, você pode contar para alguém que elaborou uma nova receita de bolo, algo realmente significativo. Agora, se você disser que criou uma nova receita de bolo, não sei porquê, mas parece muito mais inventivo e, com o perdão da redundância, criativo. Isso porque criar está diretamente relacionado com criatividade, imaginação, genialidade, etc. Já elaborar tem um caráter mais formal, de algo que foi desenvolvido depois de árdua pesquisa e fruto de habilidades especificas. O criador é aquela entidade quase mitológica do ser que inventa coisas assim, do nada, quase que por geração espontânea. Realmente alguém para ser admirado e estudado, mesmo que o fruto de suas criações nem seja assim tão impressionante. O fato é que CRIAR confere muito mais importância ao seu agente ativo do que ELABORAR. Elaborar qualquer um elabora, agora quero ver criar igual aquele cara faz! Mais ou menos isso.

Quando você quer convencer alguém por exemplo. Qualquer palavra mal empregada, ou combinada com alguma outra que não conecta muito bem pode colocar todo o seu plano abaixo. Assim, detalhes que as vezes você nem percebe, mas para quem ouve soam como bombas ou trovões, simplesmente destroem qualquer coisa que já tenha sido alcançada até aquele momento.

Dizem que as feridas morais são muito mais difíceis de serem curadas do que as físicas. Isto porque deixam cicatrizes muito mais profundas, afinal, quem as deve resolver é a psique e não o corpo e o que interpretamos e internalizamos é muito mais difícil de ser eliminado ou transformado do que um arranhão ou hematoma que logo pára de doer e em pouco tempo desaparece. Deste modo, depois de uma exaustiva briga usando apenas palavras como armas, seus lutadores estarão muito mais destruídos e feridos por longo tempo do que qualquer pancadaria luta livre que você possa imaginar.

No dia a dia, na conversa cotidiana, dificilmente paramos para pensar, devo usar isso ou aquilo, esse adjetivo combina com esse substantivo e blah blah blah. Simplesmente vamos colocando uma palavra após a outra e no fim, vê-se o que dá. Na realidade, esse processo de escolha de palavras já é tão automático que nem percebemos seu movimento, mas prestando atenção, dá para ver que as pessoas falam mais pausadamente e refletindo quando estão encurraladas, precisam explicar algo, ou sentem-se acuadas. Porque, literalmente, tudo o que você disser, pode e será usado contra você nesse ou naquele tribunal. Entretanto, quando nos sentimos à vontade, falamos tudo de uma vez, por vezes sem ponto, vírgula ou acentuação. Desde que a mensagem seja transmitida, não importa muito a sua forma. Mas mesmo nesses momentos de puro vômito verbal, acabamos juntando as palavras que soam melhor e que entendemos irão criar a melhor imagem do que tentamos dizer.

E enquanto eu estou aqui, escolhendo as palavras para escrever esse amontoado de coisas relativamente inúteis, você está aí formulando na sua cabeça algo que explique qual a utilidade de mais uma dessas teorias estapafúrdias (atenção, porque usando estapafúrdia para encerrar o texto, eu gastei!).

terça-feira, setembro 12, 2006

Apagaram a linha do horizonte – uma história de café, cinza

Vivendo em São Paulo, eu me acostumei a nunca ver o horizonte. Sabe aquela linha reta que separa o céu da terra? Essa mesmo. Do mesmo modo que eu me acostumei a não ver as estrelas, a não olhar muito para o céu, raramente ver a lua e até esquecer que existe alguma coisa entre o asfalto e o trigésimo quarto andar.

Outro dia, reparei como me faz falta não olhar para o horizonte. Estava sentada numa praça que fica num ponto alto da cidade e felizmente, tem vista para uma área até que bem verde e pasmem, tem até uma seção onde existe horizonte. Ele mesmo. Uma pequena faixa verde que se encontra com uma possível massa azul. Possível porque, na ocasião citada, a tal área azul estava meio acinzentada, como sempre. Mas a gente se acostuma com tudo e perceber que o que eu estava vendo não era uma amontoado de prédios, e sim o encontro do azul com o verde, me deixou incrivelmente feliz e me lembrou que eu não estou acostumada a ver o horizonte do modo como ele deveria ser. Igual naqueles desenhos, ou quadros, ou final feliz de conto de fadas.

Quando vou para a praia, o meu passatempo preferido é ficar observando as diversas linhas do horizonte. O azul do céu com o azul do mar, o verde de uma ilha com o azul do céu e por aí vai. Aqui, a única coisa que eu vejo é um empilhamento de edifícios, parecendo uma plantação de caixas de fósforos, com um manto cinza ao fundo. Tem lá sua beleza, uma poética urbana que eu consigo apreciar na maioria das vezes. Mas acho que os olhos humanos ainda merecem o direito de se deixarem perder na linha do horizonte de vez em quando. É relaxante, acalma e ainda é grátis. Isso se você mora em algum lugar em que ainda exista alguma linha. No meu caso, tenho que rodar um tanto até encontrar algo minimamente parecido, mas sei lá, vai ver que isso só aumenta o valor da coisa.

Deveriam fazer alguma lei: todo paulistano tem o direito a uma vista com pelo menos 5 metros de horizonte da janela de seu quarto. Acho que é o mínimo que a gente deveria exigir pela quantidade de impostos que paga. Já criaram imposto até para o lixo, porque é que eu não posso ter direito a horizonte? E quando eu digo horizonte, estou me referindo àqueles tradicionais, nada de antenas ou helipontos ou coberturas. Apenas céu e montanha, céu e árvore, no máximo.

Do jeito que a coisa anda, logo nem esses raros encontros de céu e terra vão ser visíveis na cidade de São Paulo. Apenas concreto, cimento, vigas, antenas, janelas e uma porção de gente, mobília e poeira empilhados num desenho geométrico de proporções inimagináveis e um futurismo que apenas aquelas histórias escabrosas de ficção cientifica ousaram projetar.

Personalidades que saem com água – uma história de chá, aguado

Nesses tempos modernos em que tudo é reciclável e mesmo assim a produção de lixo nunca esteve tão alta, eu me deparei com uma nova descoberta: a personalidade que sai com água.

Indo da simplicidade de uma maquiagem à complexidade de um candidato político, as personalidades facilmente laváveis são, hoje em dia, grande sucesso na sociedade. Atualmente, as coisas ao nosso redor se transformam muito rápido para que a mudança interior causada pela assimilação da novidade perdure por muito tempo. Assim, nada mais prático do que o uso das personalidades solúveis em água.

Vai a uma festa em que precisa parecer chata/metida/nojenta? Com o uso da maquiagem correta, dá para empinar o nariz, aumentar os lábios, esconder olheiras, rugas e sei lá mais o quê. Obviamente, não se trata de uma personalidade muito complexa, talvez apenas uma máscara, mas enquanto vestindo tal armadura, é dever interpretar o personagem com todos os seus gestos, manias e palavreado deveras peculiar.

De outro lado, temos uma infinidade de políticos que literalmente lavam suas mãos e a personalidade também quando assumem o poder. No horário eleitoral, dizem uma coisa e na hora H, fazem outra. É como conhecer duas pessoas diferentes usando o mesmo corpo, ou será esse um novo caso de esquizofrenia? Uma manifestação moderna da doença frente a velocidade desse novo mundo. A esquizofrenia a base de água. Vou sugerir a idéia a algum pesquisador.

E tem também aquela de quando você sai e conhece alguém super legal. Vocês passam a noite inteira juntos, inesquecível. No dia seguinte, você liga (se é que alguém ainda liga no dia seguinte) para ele/a. O ser humano mal se lembra quem você é. “Mas a gente não ia passar o fim de semana na sua casa de campo?”, “Você falou que eu era a sua alma gêmea!”. No que você ouve do outro lado “desculpe, estava bêbado/a demais, não lembro de nada disso, nem sei se te conheço. Sabe como é que é, vodka dá amnésia...”. Nessas horas, só muita água mesmo para curar a ressaca e eliminar qualquer resquício daquela personalidade adorável que você achou ter conhecido.

Teve uma época em que a moda eram projetos/produtos personalizados. Recentemente, descobri que esse termo está obsoleto, agora diz-se customizado. Alguém me explica a diferença dos dois, por favor? Dizem que o customizado é mais pessoal ainda do que o personalizado, ou seja, totalmente, absolutamente, inegavelmente exclusivo daquela pessoa. Lá em casa, eu tenho uma mesa que é personalizada. Invenção minha é claro. É uma mesa de lata, dessas de boteco. Ela é branca, mas eu coloquei umas canetas coloridas de quadro branco em cima para promover a interação. A galera chega, desenha, pira na mesa e ela fica lá, única, personalizada. Depois eu lavo com água e ela perde a personalidade. Assim, simples.

E como as coisas estão mudando cada vez mais rápido, fico me perguntando, o que virá depois das personalidades que saem com água? O que pode ser mais ágil e eficaz do que isso? Se bem que, outra tendência é a reciclagem de valores ou coisas que foram muito populares no passado e agora, com roupagem nova, parecem absolutamente atuais. No fim das contas, acho que o bom mesmo é seguir vivendo segundo o que vovó já dizia, Lavou, tá novo.

quarta-feira, setembro 06, 2006

O mal da dor alheia – uma história de chá, dos outros

Sabe quando o carro passa num buraco e alguém diz “ai”, como se tivesse sentido a dor do amortecedor, roda ou pára-choque? Então, eu sou uma dessas pessoas. Eu sinto a dor das coisas. Se eu estou lavando a louça e uma xícara cai, por exemplo, eu imediatamente solto um gemido de dor, como se eu é que tivesse escorregado.

É estranho isso. Não sei quando e como comecei com essa mania, mas agora é simplesmente impossível parar. Na mesma linha, quando eu bato num poste, eu peço desculpas, como se tivesse realmente esbarrado em alguém. Eu saio machucada da história, o poste não está nem aí e eu ainda peço desculpas. Ou quando eu chuto o pé da mesa e também peço perdão.

Isso pode ser reflexo de muita preocupação, ou então muita educação, ou os dois juntos, ou nenhum deles. “Desculpa” e “ai” são praticamente atos reflexos já incorporados à minha personalidade. “Desculpa” está associado com qualquer esbarrão, tropeção ou acidente que me tome de surpresa. Já “ai” está associado com toda coisa e/ou pessoa que caia, tropece, bata ou esteja em risco de sofrer qualquer dor perto de mim.

Não que isso seja um grande problema. Não me atrapalha, não me constrange, nem muda a rotina do meu dia. Simplesmente é um tanto quanto exótico. Eu sei que, por aí, existem dezenas, centenas, quiçá milhares de pessoas sofrendo da mesma “patologia”. De repente, variando apenas na manifestação de seus sintomas. Eu, várias vezes, já pedi desculpas para o meu próprio reflexo, quando andando distraidamente em algum lugar, esbarrava em um espelho.

Vai ver que nós (sim, não posso estar só nessa), os acometidos pelo mal da dor alheia, deveríamos nos unir. Montar um grupo de apoio, compartilhar nossas experiências e talvez, até contar com a supervisão de algum profissional para nos orientar, ou analisar o caso, tentando traçar algum padrão ou comportamento que explique de onde vem essa mania, no mínimo, peculiar.

Se bem que, manias todo mundo tem. A minha é só mais uma no meio de uma multidão. De repente, eu nem deveria dar tanta importância ao fato, mas é minha e eu dou sim. Na realidade, nem faço questão de eliminá-la, já faz parte da minha personalidade e, as vezes, faz até alguém rir. É que sei lá, considerando que não é muito normal emitir uma expressão de dor quando o agredido é um objeto inanimado, ou pedir desculpas para algo tão inanimado quanto o objeto anteriormente citado, achei que o assunto era minimamente interessante para ser explorado. Vai saber quantas pessoas por aí não fazem a mesma coisa e se sentiam únicas ou diferentes demais até agora e, finalmente, puderam se identificar com alguém. Será que eu salvei alguma vida? Ou será que eu simplesmente estou indo longe demais em um assunto que não dava assunto nem para meio parágrafo?

terça-feira, setembro 05, 2006

Eu e a Alice no País das Maravilhas e Através do Espelho – uma história de chá, de cogumelo

Uma das minhas “histórias infantis” preferidas é Alice no País das Maravilhas. Uma história que de infantil, a meu ver, não tem nada. Primeiro porque Lewis Carroll era um louco, dizem que o texto está cheio de jogos matemáticos e de lógica. Segundo que, uma história em que sua personagem principal segue um coelho apressado descer por um buraco, depois come um cogumelo para ficar grande, bebe um líquido estranho para ficar pequena, conversa com uma lagarta fumante, toma chá com um chapeleiro maluco e é julgada pela Rainha de Copas, me parece que vá um pouco além do imaginário e entendimento infantil.

O fato é que, desde pequena, toda essa alegoria surreal me cativou. Preferia mil vezes ser a Alice, ficar grande, ficar pequena, conversar com o gato que desaparece e comemorar meu desaniversário naquela festa louca com a Lebre de Março, do que ficar deitada adormecida esperando meu príncipe, ou limpando uma casa a espera de um sapatinho ou fada madrinha. No desenho, as cores pareciam mais vivas, as flores cantavam e o exército de cartas de baralho era tudo o que eu sempre quis ter.

Entretanto, a parte que eu sempre gostei mais é aquela em que a Alice passa para o outro lado do espelho. Onde tudo é invertido e ao contrário. Aliás, Alice através do Espelho já é outro livro, a continuação da mesma piração. A idéia de poder passar para o outro lado e poder ver tudo de uma perspectiva invertida sempre me pareceu extremamente interessante. Não que comer ou beber algo e distorcer minha percepção de dimensão e espaço não me interessasse também, mas poder adentrar em um ambiente em que tudo seria exatamente ao contrário do mundo real me parecia muito mais impossível e, por isso, mais excitante.

Sempre acreditei naquela máxima em que as regras existem para serem quebradas. E ficar imaginando situações opostas sempre foi uma diversão. Do outro lado do espelho, as pessoas iriam para a escola ou trabalho nos fins de semana, tendo a semana toda para se divertirem. Nas refeições, comeríamos doces e depois delas, salgados. Os peixes nadariam no céu e as aves voariam no mar. Sorvete seria quente e sopa seria gelada e mais uma porção dessas brincadeirinhas. No fundo, no fundo, eu ainda achava que o mundo real era bom mesmo do jeito que estava, mas era gostoso ficar imaginando o seu inverso.

A idéia de sair do mundo real, de alterar a minha percepção, de encontrar uma visão oposta sempre me cativou. Sempre achei que a realidade estava ali para ser manipulada e enxergada sob o ponto de vista que seu observador escolhesse. Jogos de imaginação eram os meus preferidos.

Um bom tempo depois do fim de minha infância, comecei a ver toda aquela história da Alice com outros olhos. Li os dois livros no original, fiz minhas próprias interpretações, tracei minhas próprias teorias e, principalmente, passei a experimentar o mundo na visão da Lagarta Azul, do Chapeleiro Maluco, do coelho apressado, do gato que desaparece, da Lebre De Março, da Rainha de Copas (“cortem-lhe a cabeça” ainda é uma das minhas citações preferidas) e também da própria Alice.

No fim, acredito que um mundo de Maravilhas ou feito de coisas que parecem opostas ao que deveriam ser ainda não seria perfeito, já que se a realidade fosse bizarra assim, nossa válvula de escape seria uma realidade alternativa absolutamente normal e previsível. Ou será que não faz diferença se vivemos num mundo ideal ou surreal, seus opostos serão sempre igualmente interessantes e atraentes, considerando que aquilo que não se tem parece indubitavelmente muito melhor do que aquilo que se consegue todo dia?